Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura de 2010, em seu ensaio sobre a cultura de nosso tempo, retratado na obra La civilización del espectáculo (Ed. Alfaguara, Buenos Aires, 2013), descreve a opção das sociedades de hoje pelo inculto, superficial e efêmero, em detrimento da cultura mais lapidada, profunda e duradoura.
A cultura, que no passado serviu de inspiração e salvaguarda para nossa consciência, foi substituída pelo entretenimento, intelectualmente pobre, mas capaz de dar prazer, chocar ou surpreender. A experiência literária mais reflexiva perdeu espaço para as mensagens telegráficas, a auto-ajuda e os efeitos audiovisuais.
Se o desejo oculto deste novo mundo era acabar com as elites, para que houvesse uma “cultura para todos”, o remédio se tornou pior do que a doença. Horizontalizou-se tanto o saber, que se perdeu a hierarquia. E hoje não sabemos diferenciar com clareza o culto do inculto. Aceitamos como arte, obras que nada nos dizem do ponto de vista estético ou afetivo. O conceito tornou-se tão elástico, que tudo é arte e nada é arte.
Na política, a opção pelo supérfluo se revela na pouca importância que damos à educação formal e valores morais daqueles que nos representam, legando à sociedade tribunos despreparados e empobrecidos culturalmente.
Na medicina, ainda que sejamos respeitados pela comunidade e até idolatrados por alguns, somos também vítimas do desprezo pela erudição. Confundidos pela falácia de que somos todos iguais, o que definitivamente não somos, acabamos dominados pelos incultos, representados na saúde pública pela figura do gestor despreparado ou pelo político que assume cargo para o qual não tem competência.
Médicos renomados, que representaram o que tínhamos de melhor na saúde, como Adib Jatene ou o saudoso Carlos César de Albuquerque, acabaram traídos pela máquina do poder, que decide o que imagina ser bom para todos, sem perguntar para quem sabe. Como é caro o preço da arrogância! Os jovens, que foram às ruas em protesto, assustaram tanto os políticos, que os fizeram disparar medidas estapafúrdias para todos os lados. E políticos não são ingênuos, escolheram fazer demagogia na saúde, pois sabem que saúde o povo valoriza. Mas fizeram como fazem sempre. Não perguntaram antes para quem sabe. Tivessem consultado os bons políticos, não errariam. Estes se cercam de gente que conhece saúde. Mas não foi o caso.
E o governo conseguiu o inimaginável: uniu toda a classe médica brasileira! Em mais de trinta anos de profissão, nunca havia visto tantos médicos participando em protestos de rua! Até os aposentados saíram em passeatas. Algo de bom tem de sair desta história!
Quem sabe, este movimento em defesa da saúde e do papel do médico na sociedade possa ter um sentido mais amplo. Faça soprar uma brisa nova na direção de uma cultura mais elevada, como reclama Vargas Llosa. Na qual, cultivemos o respeito ao ser humano e o direito do cidadão de ser cuidado e educado, simplesmente por ter nascido. O enfrentamento civilizado dos médicos, em oposição às recentes ações equivocadas do governo, é uma oportunidade de se fazer justiça.