A cada três minutos nasce uma criança com fissura lábio palatina no mundo. No Brasil, a incidência é de uma criança a cada mil ou dois mil nascidos vivos, isso significa cerca de 6.500 novos casos por ano. “O tratamento é cirúrgico e melhora a função e a qualidade de vida do paciente, mas a educação familiar é muito importante no tratamento, pois é uma abordagem longa”, enfatizou o cirurgião Renato Freitas, da Universidade Federal do Paraná, durante o evento “Tratamento cirúrgico dos defeitos congênitos”, III Sessão do Curso de Extensão em Cirurgia da Academia Nacional de Medicina (ANM).
Nos Estados Unidos, a incidência de fissura lábio palatina é de um caso para cada 700 nascidos vivos. A incidência é maior na raça branca. Um estudo brasileiro avaliou a dificuldade de tratamento dessas crianças: 51% têm dificuldade por ausência de médicos na sua região; 32% por falta de centros especializados e 23% por dificuldade de transporte até as unidades de assistência.
A fissura lábio palatina acontece por causas genéticas e por fatores maternos, tais como tabagismo, alcoolismo, diabetes, idade materna avançada e deficiência de vitaminas. A primeira cirurgia acontece nos primeiros meses de vida, o tratamento dura até a adolescência e é feito por equipe uma multidisciplinar.
A abertura da sessão foi feita pelo presidente da Academia Nacional de Medicina, Rubens Belfort Jr., que destacou a expertise dos convidados. A coordenação foi do acadêmico e presidente as Secção de Cirurgia da ANM, José de Jesus Camargo. “Reiteramos nossos agradecimentos ao Colégio Brasileiro de Cirurgiões pelo apoio e aos apresentadores que disponibilizaram um tempo precioso de suas agendas para essa confraternização de experiências e sabedoria em favor da maior qualificação de jovens cirurgiões” destacou Camargo.
O cirurgião Gonzalo Castillo Pérez, do Instituto Estadual do Cérebro do Rio de Janeiro, falou sobre um tema bastante controverso: as craniossinostoses, ou seja, o fechamento prematuro das fissuras na base do crânio. “Elas podem ser únicas ou múltiplas, por causas congênitas ou por mutações genéticas sindrômicas e não sindrômicas. O diagnóstico sempre será clínico, uma vez que a criança entra no consultório, percebemos o defeito craniano, não é necessário exame de imagem”, enfatizou.
O tratamento é cirúrgico com abordagens diferentes para cada tipo de má formação. As craniossinostoses começam a fechar aos três meses de vida, podendo terminar aos 40 anos de idade. “Uma vida longa com uma sutura aberta. A incidência da craniossinostose é de um caso a cada 2.500 nascidos vivos”.
Já o cirurgião João Luiz Pippi Salle, do Sidra Medical and Research Center, em Doha no Qatar, antes de falar sobre as patologias urológicas pediátricas optou em discorrer sobre aspectos mais filosóficos, como por exemplo, a interação médico, paciente e família.
“Precisamos que a família jogue no nosso time. Para isso, é necessário comunicar bem para ter uma relação de interação. Muitas vezes essa interação começa no período pré-natal, quando algumas patologias urológicas são identificadas no feto. Isso gera grande apreensão dos pais e, muitas vezes, temos que fazer uma consultoria pré-natal. Mas cerca de 90% das patologias urológicas são transitórias, não necessitando de intervenções. É imprescindível amenizar a apreensão da família e dar um suporte emocional.”
Segundo o cirurgião, todos os pacientes pediátricos com má formação complexa do trato urinário devem ser acompanhados por serviços de referência e equipe multidisciplinar. E manter a adequada comunicação com os pais é fundamental para a aderência ao tratamento e confiabilidade da equipe médica.
Nicanor Araruna Macedo, da Cirurgia Pediátrica da UniRio, enfatizou durante o evento: “A cirurgia para correção da atresia de esôfago é uma das mais gratas satisfações para o cirurgião pediátrico, tanto para o residente, que sente-se um verdadeiro especialista a partir deste marco na sua carreira, como para os veteranos, pelo prazer de sentir-se disseminador do conhecimento e da prática cirúrgica de uma das mais complexas cirurgias do período neonatal. A complexidade do problema, as variadas formas de apresentação dos recém-nascidos acometidos e a incompatibilidade com a vida para os não tratados, tornam sua abordagem fascinante e um constante desafio”.
Em “Defeitos oculares congênitos”, o acadêmico e presidente da ANM,Rubens Belfort Jr., discorreu sobre as patologias desse público. “A oftalmo-pediatria é um assunto que fascina os oftalmologistas. Temos dois extremos de atuação, a criança pequena e os idosos. Já alcançamos muito, mas ainda temos pouco. A criança não é a miniatura do adulto.”
Já se faz diagnóstico oftalmológico no feto, indicando a cirurgia tão logo a criança nasça para tentar habilitar algum tipo de visão. Para Belfort, o Brasil avançou muito com o teste do olhinho. “Mas precisa avançar mais, porém faltam recursos humanos, faltam profissionais habilitados para fazer exames e o diagnóstico precoce das patologias”.
O oftalmologista destaca que a visão é muito importante para o desenvolvimento da criança. Segundo ele, a criança que não enxerga bem no começo da vida, vai ficar comprometida para sempre, porque não se formam as conexões neurológicas. Mas nem todos os casos são cirúrgicos.
“É fundamental saber quando operar. Acredito que se demora cerca de 10 anos para aprender a operar com perfeição e, aproximadamente, 20 anos para aprender a não operar!” confessou Belfort.
Futuro da medicina fetal – O médico Rodrigo Ruando, professor em Ginecologia e Obstetrícia, da Universidade de Texas e um dos diretores do The Fetal Center Children’s Memorial Hermann Hospital, foi outro convidado da sessão e abordou o tema “Atualizações da medicina e cirurgia fetal: presente e futuro”.
“O que fazemos no presente com a medicina fetal é tentar trazer esperança e melhoria na expectativa de vida dessas crianças”, disse o especialista.
Ruando falou sobre as malformações como síndrome de transfusão feto fetal (STFF), hérnia diafragmática congênita, obstrução urinária baixa, spina bífida, tumores fetais, entre outras, e que são passiveis de serem tratadas ainda intraútero. Ruando explicou algumas das técnicas apuradas e inovadoras utilizadas como a de ablação fria a laser para correção da STFF, mostrando o aumento da sobrevida dos gêmeos para cerca de 80%.
Rodrigo Ruando também falou sobre o futuro da medicina e cirurgia fetal, citando a cirurgia cardíaca fetal aberta, que vem sendo aplicada; a medicina regenerativa com pesquisas em curso e a possibilidade de técnicas para desenvolvimento de órgãos como nos casos de crianças portadoras de agenesia bilateral de rim, ou ausência de rim, uma condição incompatível com a vida e na qual as crianças precisam de transplante. Ruando explicou sobre a criação destes órgãos ou dispositivos que acelerariam o tratamento substitutivo renal. E sobre tecnologia, o especialista afirma que está estudando a participação da cirurgia robótica fetal – que está em fase experimental em sua equipe – e que pode trazer resultados mais precisos.
O evento também contou com palestras dos cirurgiões Atila Reis Victoria, da Santa Casa de Belo Horizonte; Jair Braga, da maternidade escola da UFRJ; Maria Anna Soares Brandão, do Instituto Estadual do Cérebro do Rio de Janeiro; Marcelo Jatene, do InCor, da USP, e do acadêmico José de Jesus Camargo.
O presidente da ANM, Rubens Belfort Jr, destacou o importante papel dos médicos brasileiros no exterior.
– É muito bom ver brasileiros de sucesso no exterior. Isso nos dá um otimismo quanto ao futuro. Eu fico feliz em vê-los indo para fora do país, porque vejo a possibilidade de fomentar mais jovens profissionais do Brasil. Comentário que foi acrescido de reflexões do acadêmico José de Jesus Camargo que ressaltou o “círculo virtuoso” em que médicos de sucesso internacional são capazes de edificar o desenvolvimento acadêmico de novos talentos.