Os desafios, experiências, conquistas e emoções nos transplantes de órgãos nacionais e internacionais foram os temas da última sessão científica promovida pela Academia Nacional de Medicina, em julho de 2021.
Histórias entre doadores, receptores, familiares e equipes médicas foram contadas por cada um dos convidados. O acadêmico José de Jesus Camargo foi um dos que ilustrou sua palestra com narrativas emocionantes sobre transplantes em ambos os pulmões (bilobar) em crianças brasileiras e estrangeiras com doadores vivos e que se submeteram ao procedimento em Porto Alegre. Camargo descreveu experiências angustiantes, o desprendimento de pais em doar órgãos e salvar a vida de filhos e o significado do fracasso que impactam tanto a vida da família como da equipe médica.
A evolução nos transplantes de diferentes órgãos foi predominante nas apresentações e algumas das novidades, dos últimos 20 anos, foram citadas pelo cirurgião brasileiro Marcelo Cypel, do Toronto General Hospital. Inspirado também por histórias de pacientes, Cypel contou sobre o aperfeiçoamento das técnicas a partir da realização de mais de 2.500 transplantes de pulmão e que permitiram pular de uma sobrevida de 50% nos primeiros 30 dias após o procedimento, na década de 80, para 98% nos dias atuais. Cypel também destacou as técnicas para reparo de órgãos como a luz ultravioleta para inativação de vírus da Hepatite C em órgãos de doadores.
O acadêmico José Osmar Medina, cirurgião especializado em transplante de rim, comentou sobre as dificuldades de procedimentos durante a pandemia. Medina falou como a covid afetou os 12 mil pacientes em diálise, infectando mais de 2 mil e com uma letalidade 10 vezes maior se comparada aos indivíduos saudáveis; como também no número de doadores, que caiu cerca de 25% desde a chegada do coronavírus ao país. Além disso, Medina contou sobre o estudo vacinal com a Coronavac em mais de 4 mil pacientes, cujos resultados apontaram para uma eficácia reduzida. Sobre transplantes de rim, a outra convidada foi Tânia Sanders, da Universidade Federal do Ceará, que abordou os benefícios na doação intervivos.
O cirurgião Claudio Lacerda, da unidade de transplantes hepáticos da Universidade de Pernambuco – uma referência para as regiões Norte e Nordeste -, traçou uma linha do tempo desde os primeiros transplantes de fígado, no mundo, há 50 anos, e as casuísticas de alguns dos 1.600 procedimentos realizados em Pernambuco. “Não adianta só cuidar de fígados. É preciso cuidar dos pacientes”, disse. Nesse sentido, falou sobre a experiência da Associação Pernambucana de Apoio ao Doente do Fígado. Uma iniciativa imprescindível já que muitos dos pacientes são de baixa renda e o cuidado vai muito além do transplante. No campo da hepatologia, Paulo Chapchap, cirurgião da USP e conselheiro da Dasa, foi outro palestrante que fez um relato histórico, destacando as conquistas alcançadas pelo acadêmico Silvano Raia, em 1985, e o primeiro transplante de fígado intervivos no mundo. Chapchap enfatizou que 85% dos transplantados, atualmente, continuam vivos depois de 10 anos.
A experiência do primeiro transplante triplo que envolveu enxertos de rim, fígado e coração em um paciente do Rio de Janeiro foi contada pelo médico Eduardo Fernandes, do Hospital São Lucas. Embora fosse atleta, o paciente tinha uma insuficiência terminal. Um caso único e pioneiro no Brasil. A decisão foi tomada junto com a equipe do Sistema Nacional de Transplantes e, no dia 4 de abril deste ano, o procedimento de alta complexidade foi realizado com sucesso. Com apenas 15 dias, o paciente obteve alta e, em pouco tempo, voltou para suas atividades físicas.
Outros convidados foram Joel Andrade, do Programa de Transplante de Órgãos de Santa Catarina, que é um modelo de sucesso, por ter sido transformado em uma política de Estado e não de Governo; e Alexandre Siciliano, do Instituto Nacional de Cardiologia do Rio de Janeiro, que abordou as novas resoluções do Conselho Federal de Medicina sobre morte encefálica e as estratégias para captação de órgãos.
Transplantes multiviscerais – A evolução do transplante multivisceral, que envolve o transplante em bloco do estômago, complexo pancreaduodenal, intestino delgado, fígado com ou sem cólon e baço, nas últimas décadas, foi o assunto do cirurgião Rodrigo Vianna, do Jackson Memorial Hospital, da Universidade de Miami. Vianna comentou que o transplante intestinal e multivisceral é um tema difícil e ainda se apresenta, muitas vezes, como uma das grandes barreiras dentro dos transplantes de órgão sólidos.
O médico narrou a evolução desse tipo de transplante e a própria história do transplante intestinal e multivisceral que, conforme explica, nas últimas décadas passou por quatro eras que começaram com o nascimento do transplante, em 1950, e se estendem até aos dias atuais.
Para o cirurgião, a primeira era foi o surgimento da técnica – realizada apenas em animais -; a descoberta de novos medicamentos; o estudo de como se comportariam os órgãos; até o primeiro transplante em humanos, que aconteceu de forma bastante rudimentar e com sobrevida curta do paciente.
Na segunda era, protocolos de conduta definiram a técnica cirúrgica e surgiram os primeiros centros especializados em transplante multivisceral no mundo. Na terceira fase, o procedimento passou de experimental para ser uma opção terapêutica de pacientes com falência intestinal com uma sobrevida de 65%. E a quarta etapa, dos dias atuais, aconteceu com o credenciamento do programa de transplante multivisceral no MED-Care dos EUA, que corresponde ao SUS, e a associação, cada vez maior, entre a oncologia e o transplante. Com isso, há uma ampliação das indicações, mais acesso, diminuição das taxas de rejeições, e as taxas de sobrevida chegam a 80%.
A sessão contou com a abertura do presidente da ANM, professor Rubens Belfort Jr., e a coordenação dos acadêmicos José de Jesus Camargo, presidente da Secção de Cirurgia, e Rossano Fiorelli, Secretário da Secção de Cirurgia.
Para acessar a sessão em vídeo, acesse https://bit.ly/3ytfuSb.