A parceria entre a Academia Nacional de Medicina e a Fundação Oswaldo Cruz rendeu, na última terça-feira (17), novos frutos: as duas instituições centenárias organizaram o Simpósio “Saúde Global, Diplomacia da Saúde e a Política Externa Brasileira”, congregando profissionais da área de Saúde e da área de Relações Internacionais para discutir importantes tópicos.
Representante de ambas as instituições, o Acadêmico Paulo Marchiori Buss é graduado em Medicina na Universidade Federal de Santa Maria (1972) e Mestre em Medicina Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1980). É Diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS) da Fiocruz, instituição da qual foi Presidente entre os anos de 2001 e 2008. Em seu discurso de abertura, chamou atenção para a “letargia” que agora domina os processos de integração dos países latino-americanos, associando esse processo à grave crise econômica e social pela qual o mundo está passando e seus desdobramentos para diversas áreas.
A primeira mesa de discussões, mediada pelo Dr. José Paranguá de Santana (NETHIS/Fiocruz) foi intitulada “Saúde e Diplomacia da Saúde na América Latina e Caribe (ALC)”. E contou com contribuições do Acadêmico Paulo Buss, da Profa. Lígia Giovanella e do Prof. Sebastian Tobar. O Acadêmico Paulo Buss fez importantes considerações conceituais envolvendo governança global e diplomacia da saúde, apontando os principais atores e temas abordados pelos profissionais da área. Já a Professora Lígia Giovanella destacou os principais desafios para os sistemas de saúde da América Latina e do Caribe, chamando atenção para o fato de que esses sistemas, em geral, possuem três grandes características: a segmentação da proteção social e cobertura em saúde, a privatização no financiamento e na prestação de serviços e a fragmentação organizacional. Por fim, o Dr. Sebastian Tobar ressaltou a importância da abordagem de saúde nos processos de integração, uma vez que esta representa uma oportunidade para a ação coletiva e a resolução de muitos dos desafios de saúde.
Na sequência, o Acadêmico e ex-Ministro da Saúde José Gomes Temporão fez uma breve apresentação sobre a atuação e as principais conquistas do Embaixador Celso Amorim, que é ex-Ministro das Relações Exteriores e da Defesa. O chanceler salientou que a Saúde sempre esteve presente na Diplomacia, destacando que ambas possuem um objetivo comum, que é a preservação da vida. Chamou atenção para aspectos importantes como o acesso a medicamentos, profundamente ligado à questão das patentes, assunto que figura entre os principais tópicos de discussão da área.
Seguiu abordando a concepção e o processo de formação de acordos como o MERCOSUL e a chamada UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), bloco que reúne Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela, com vistas a criar um espaço de integração, aproximando-se do modelo de integração desenvolvido pela União Europeia, desenvolvendo ações conjuntas que ultrapassam a esfera econômica.
Celso Amorim foi ministro das Relações Exteriores duas vezes. A primeira foi de 1993 a 1994, durante o governo de Itamar Franco, quando ajudou nos preparativos para o lançamento do Mercosul, que ocorreu em 1995. Anos mais tarde, em 2003, foi escolhido para retornar ao cargo, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2011, assumiu o posto de ministro da Defesa, no mandato de Dilma Rousseff.
A mesa seguinte, denominada “Diplomacia da Saúde – Práticas e oportunidades profissionais e acadêmicas”, foi mediada pela Profa. Célia Almeida, que também ficou encarregada de fazer uma apresentação sobre a experiência da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), que lançou, em 2011, seu mestrado profissional em Saúde Global e Diplomacia da Saúde. Participaram das discussões os Professores Deisy Ventura (USP) e Paulo Esteves (PUC-IRI), que apresentaram palestras abordando formação e oportunidades profissionais na área da saúde e da diplomacia, respectivamente.
Em sua apresentação, a Profa. Deisy Ventura (USP) mencionou as dificuldades inerentes ao desenvolvimento do campo de estudos de saúde global, destacando os obstáculos metodológicos enfrentados em razão da interdisciplinaridade, a identificação de temas que sejam relevantes socialmente e a constituição de um campo de pesquisa específico de Saúde Global. Destacou que, atualmente, verificamos um processo de securitização dos temas da Saúde, expresso no enfrentamento de grandes epidemias como o ebola e o zika vírus – segundo a palestrante, nessas ocasiões, o processo de tomada de decisões é passado dos agentes de saúde para os agentes de segurança.
Destacou, ainda, aqueles que considera serem os temas de discussão centrais para o desenvolvimento do tema, como a cobertura universal da Saúde; o chamado filantrocapitalismo, que discute os interesses de grandes fundações e instituições em questões relacionadas à Saúde; a associação de Saúde e mobilidade humana e as chamadas doenças “socialmente transmissíveis”.
Em sua apresentação, o Dr. Paulo Esteves (PUC-IRI) chamou atenção para o fato de que 2018 é um ano significativo sob diversos aspectos: ele marca os 40 anos da Declaração de Alma-Ata, que preconiza a promoção da Saúde Global; os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 40 anos do chamado Plano de Ação de Buenos Aires (PABA) – todos esses documentos são, segundo Paulo Esteves, marcos de uma visão universalista das relações humanas. Sobre a situação brasileira, criticou o atual estado das relações internacionais no país, afirmando que o Brasil se encontra hoje em uma situação onde não possui política externa de maneira efetiva, tendo sua inserção global regida por interesses econômicos.
Após a rodada de palestras, foi realizado o lançamento do livro Diplomacia em Saúde e Saúde Global: Perspectivas latino-americanas, de autoria do Acadêmico Paulo Marchiori Buss e do Prof. Sebastián Tobar, publicado pela Editora Fiocruz. Em noite de autógrafos, os autores receberam os convidados, que incluíram estudantes e profissionais das áreas de relações internacionais e saúde pública.