Em encontro na Academia Nacional de Medicina, médicos sanitaristas e especialistas brasileiros e ingleses rememoraram as bases de criação do Sistema Único de Saúde (SUS), desde seus primórdios e sua implantação a partir da Constituição de 1988; e seu modelo inspirador, o National Health Service (NHS) do Reino Unido, que foi criado em 1948.
A incorporação de novas tecnologias em ambos os sistemas, os custos e efetividade, o acesso universal e a equidade foram aspectos predominantes abordados pelos convidados.
O ex-ministro e acadêmicos José Gomes Temporão abriu o simpósio com destaque para fatos históricos marcantes e ressaltou a ousadia da sociedade brasileira em construir um sistema universal nos trópicos – “um gigantesco avanço no processo civilizatório do país”. Temporão relembrou como a luta pela democracia, na década de 80, se misturou à luta pela saúde. Para ele: “saúde é democracia e democracia é saúde.” O SUS, segundo Temporão, atende 150 milhões de brasileiros, além dos mais de 50 milhões que tanto usam o sistema privado como o público, em casos de emergências ou quando precisam tomar vacinas, ou realizar cirurgias mais complexas como transplantes.
A adoção de critérios para novos procedimentos e a inclusão de novos medicamentos foi assunto para vários dos convidados. A professora Pilar Pinilla-Dominguez, do National Institute for Health and Care Excellence, ponderou como a incorporação de novas tecnologias têm mudado de forma rápida e como devemos estar atentos aos pacientes e ao equilíbrio dos sistemas de saúde, prevendo a equidade no acesso de inovação sem desprezar a efetividade e os custos. Todos os “atores” como o sistema de saúde, os pacientes, a indústria farmacêutica, a academia e o governo devem participar dos debates sobre novas incorporações. O também inglês Philip Shelton comentou como transformar grandes ideias em ações positivas na saúde. Para ele, grandes ideias só têm impacto quando são colocadas em prática. “Nossa saúde é muito importante para deixar a mudança ao acaso.” O sistema de saúde inglês e o consórcio global foi tema Kevin Miles que abordou desde o inicio da iniciativa e os países membros como Brasil, Malásia, México, Mianmar, Filipinas, África do Sul, Tailândia e Vietnã e quais são os desafios desse consórcio que visa a qualidade da assistência a partir de cinco pilares: a saúde digital, uma política para doenças não comunicáveis, educação e treinamento, investimento em ciências da saúde e melhorias no desempenho dos sistemas de saúde nesses países.
Pelo Brasil, falaram sobre incorporação de novas drogas e procedimentos, Leandro Safatle, da Fiocruz, e Vânia Canuto, do Ministério da Saúde. Safatle descreveu como é a regulação brasileira de medicamentos, passando pelas etapas de farmacovigilância, tecnolovigilância, regulação econômica de mercado de medicamentos, incluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o SUS, os interesses do mercado privado, incluindo as operadoras de saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Vânia Canuto apresentou como se dá o processo de incorporação, exclusão ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e descreveu ainda os efeitos da participação da sociedade, por meio das consultas públicas, na aprovação ou não de novas drogas tanto para doenças prevalentes como raras, avaliando a evidência clínica, o impacto orçamentário e econômico, experiências internacionais, monitoramento do horizonte tecnológico, entre outros aspectos, até uma deliberação final. Para complementar as reflexões de Canuto, o economista e pesquisador da Fiocruz, Carlos Gadelha, exemplificou como a parceria entre o público e o privado pode ter impacto positivo para ambos como foi o caso da incorporação da vacina contra o vírus do Papiloma Humano (HPV). Ao incorporar a vacina no Programa Nacional de Imunizações e aplicá-la “a 7 milhões de jovens, ao invés de apenas 7 mil, foi possível baixar o valor a um décimo do preço inicial.”
Sobre inovação no SUS, o acadêmico Giovanni Cerrri apresentou o programa Inova HC, que é um catalizador de inovação em saúde, conectando recursos e empreendedores a fim de encontrar soluções que tornem o atendimento mais eficiente e interativo para os pacientes de São Paulo. O Inova HC envolve o Governo de São Paulo e o Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo é um hub de inovação com 14 soluções e 3 grandes programas, com um plano de saúde digital que tem potencial para ser um modelo para o SUS. Atualmente, na assistência, o HC realiza mais de 1, 5 milhão de consultas ambulatoriais e 76 mil hospitalizações; no campo da educação são mais de 2 mil médicos residentes; na área da pesquisa produz 7,3% do total de publicações científicas brasileiras.
Partindo de algumas experiências exitosas nos grandes centros urbanos brasileiros, tanto o presidente da Academia Nacional de Medicina, Rubens Belfort, como o professor da Universidade Federal de São Paulo, Mauro Campos, falaram sobre as barreiras geográficas e acesso aos serviços de saúde pelas comunidades distantes como os ribeirinhos do Amazonas e os 800 mil indígenas brasileiros, e como a saúde deve ser adaptada para atender a essas populações. Campos ainda apontou as dificuldades da pesquisa translacional de levar os resultados dos laboratórios de pesquisa para o leito dos pacientes; as barreiras burocráticas com excesso de regramentos por diferentes instâncias como Anvisa, Conitec e Conselho Federal de Medicina, dificultando o acesso de quem precisa a tecnologias disponíveis, e o poder dos lobbies para aprovação de certos medicamentos com pouca efetividade; além de aspectos sobre judicialização da saúde que envolve questões controversas como não discriminar nenhum paciente e o acesso para cobertura universal – tema que também foi abordado por vários dos comentaristas do evento.
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