O Curso de Atualização em Ciências Médicas da ANM, na aula desta semana, discutiu aspectos da relação médico-paciente. O palestrante convidado foi o Acadêmico José de Jesus Peixoto Camargo.
O Acadêmico José de Jesus Peixoto Camargo é graduado em Medicina pela UFRGS e possui residência em Cirurgia Torácica (UFRGS) e é fellow da Clínica Mayo (EUA). É Mestre em Ciências Pneumológicas pela UFRGS. Foi pioneiro em transplantes de pulmão na América Latina, e é responsável por 2/3 de todos os transplantes de pulmão realizados em território brasileiro. Atualmente é Diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre. É escritor, colunista do Jornal Zero Hora, autor de 4 livros de crônicas e membro da Academia Brasileira de Médicos Escritores (ABRAMES). É membro da Academia Nacional de Medicina, ocupando a cadeira nº 22.
Em tom de conversa, contando casos que ilustram aspectos louváveis, e outros nem tanto, da atual relação médico-paciente em nossos tempos, o Acadêmico José Camargo encantou a plateia de alunos do curso, com sua prosa fácil e inteligente.
– Médico tem que gostar de gente – disse o palestrante. Talvez esta seja a frase que possamos tirar como principal ensinamento do que foi esta excepcional palestra.
O Acadêmico iniciou a palestra afirmando que a relação médico-paciente é definida por complexas interações psicossociais entre o médico e o paciente. A principal virtude do médico, na relação médico-paciente, é a empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro.
– Os médicos devem verdadeiramente ouvir o que os pacientes pensam do que está acontecendo. E não subestimar o sentimento de quem está se sentindo ameaçado ou vulnerável. Ouvir, tentar se colocar no lugar do outro, é muito importante – afirmou.
Durante sua apresentação, o Acadêmico contou algumas histórias e casos pitorescos vividos por ele ao longo de sua carreira. Uma delas foi sobre um paciente, com câncer, que se tornou muito amigo dele. O paciente chegou para sua primeira consulta sentindo-se muito angustiado e desesperado; a primeira coisa que o doutor Camargo fez foi levantar-se da sua cadeira, contornar a mesa e sentar-se ao lado do paciente. Conversaram e analisaram os exames ali mesmo. Ao final do tratamento, meses depois, com o paciente já em fase terminal, este paciente virou para o Dr. Camargo e disse:
– Doutor, eu fui muito bem tratado, estamos chegando ao fim, foi uma parceria que valeu a pena, mas eu quero dizer que a melhor coisa que recebi durante todo o tratamento foi aquele dia em que você contornou a mesa para se sentar ao meu lado.
Outra história muito interessante narrada pelo palestrante foi a de um menino de 11 anos que tinha caído de uma construção e havia chegado em coma ao hospital. O palestrante conta:
– Dez dias depois, o garoto foi considerado em morte encefálica. Aquilo para mim foi o horror. Quando saí da UTI, com diagnóstico de morte encefálica, a secretária me encontrou no corredor do hospital e comunicou que havia nove pacientes a minha espera. Como não tinha condições de atender ninguém, pedi a ela que passasse os nove ao mesmo tempo para a minha sala. Eles entraram, obviamente, com ar de surpresa. Eu relatei o que tinha acontecido, que eu estava muito mal e queria saber deles se estavam com alguma situação de urgência para que eu providenciasse outro médico para atendê-los. Caso contrário, gostaria muito que voltassem no dia seguinte, porque, naquele momento, eu precisava muito sair do hospital para chorar. Houve uma comoção geral naquela sala de consultório. No dia seguinte, todos retornaram! Entenderam perfeitamente a situação do médico e muitos deles criaram vínculos eternos e de amizade comigo.
Em um outro caso, ele encaminhou um paciente para um grande cirurgião, seu colega, excelente profissional e tecnicamente muito bem-formado. O paciente foi à consulta e, ao retornar ao consultório do Dr. Camargo, afirmou que não havia gostado do colega indicado e nem da consulta, solicitando a indicação de um outro colega para tratar do seu problema.
– Achei, doutor, que seu colega tem muita pressa e é uma pressa maligna. Ele inclusive, ao me despir, arrancou um botão da minha camisa.
– Bem, mas o senhor considerou que este botão poderia estar solto ou frouxo? – disse o Dr. Camargo.
– Considerei Doutor, mas quando minha esposa foi pegar o botão no chão, havia outro botão lá, de outra camisa, de outro paciente.
Ou seja: apesar do colega ser muito bom tecnicamente e bem formado, no seu cotidiano profissional, o que ele queria era “se livrar” do paciente, ou acabar rápido com o processo de consulta.
– Entre dois médicos qualificados, o paciente sempre vai optar e se sentir mais confortável com aquele que tiver um olhar mais humano – afirmou, finalmente.
Durante toda a aula, muitas destas histórias e casos foram transmitidos com extrema beleza e vivacidade pelo Acadêmico José Camargo. Não há dúvidas que o humanismo na relação médico-paciente é um aspecto fundamental para a consolidação desta relação, e foi isso que o Dr. Camargo demonstrou em sua apresentação.