Acad. Paulo Niemeyer Filho
Introdução e incidência:
O acidente vascular cerebral (AVC) é a segunda causa de morte no mundo e a primeira causa de incapacidade, tornando a prevenção uma prioridade de saúde global.1,2 A cada ano, estima-se que 13,7 milhões de pessoas tem um AVC no mundo e 5,5 milhões morrem.
A epidemiologia global do AVC vem sofrendo mudanças, como observado nas últimas duas décadas. Entre 1990 e 2010, a incidência e a mortalidade diminuíram em países de alta renda. No entanto, nenhuma mudança significativa foi observada da incidência em países de baixa e média renda, e o número absoluto de mortes por AVC aumentou ao longo desse tempo.7,8 O Global Burden of Disease (GBD), já estimava que em 2013 haviam aproximadamente 26 milhões de sobreviventes com alguma sequela de AVC em todo o mundo.7
Em um grande estudo caso-controle multicêntrico, INTERSTROKE, dez fatores de risco potencialmente modificáveis explicaram 90% do risco da doença.3 Tais fatores de risco são mais significativos para o AVC isquêmico (AVCi), embora hipertensão arterial, tabagismo, relação cintura-quadril, peso e etilismo sejam também fatores de risco significativos para AVC hemorrágico (AVCh).3
A melhor estratégia para redução do impacto social desse tipo de emergência médica é atuar na prevenção primária.18
Prevenção:
A prevenção do AVC geralmente se concentra em fatores de risco modificáveis.
- Hipertensão Arterial: Hipertensão é o fator de risco modificável mais prevalente no AVC, seja isquêmico ou hemorrágico. Isoladamente o risco atribuível à população chega a 52% nos AVCh e 35% nos AVCi.4 De forma geral, é recomendado tratamento anti-hipertensivo com PA alvo < 140×90 mmHg – classe I, nível de evidência A.13
- Dislipidemia: A avaliação e o tratamento da hiperlipidemia é uma parte crítica do manejo do AVC, com 25% dos casos relacionados a altos níveis de LDL-colesterol (>100mg/dl) 10,11. O tratamento com estatinas reduz o risco de AVC em pacientes com elevado risco cardiovascular. É recomendada a estratificação de risco cardiovascular para indicação de estatina de intensidade baixa (lovastatina 20 mg), moderada (lovastatina 40 mg, atorvastatina 10 mg), ou alta (atorvastatina 80 mg) – classe I, nível de evidência A.13
- Diabetes Mellitus: Os distúrbios do metabolismo da glicose são altamente prevalentes em pacientes com AVC. Estima-se que entre os pacientes, 28% têm pré-diabetes e até 45% têm diabetes mellitus (DM).11 Além disso, o DM é um fator independente associado a um risco de 60% para AVC recorrente em idosos.19 É recomendado o controle pressórico rígido em pacientes diabéticos com PA alvo < 140/90mmHg – classe I, nível de evidência A. Outra recomendação é o tratamento com estatina, principalmente nos pacientes com outros fatores de risco associados, como prevenção primária do AVC – classe I, nível de evidência A. O beneficio da antiagregação plaquetária em pacientes diabéticos com baixo risco cardiovascular é incerto – classe IIB, nível de evidência B.13
- Tabagismo: O tabagismo é fator de risco bem estabelecido para AVCi, além de ser associado ao aumento de duas a quatro vezes no risco de hemorragia subaracnóidea (HSA). A exposição ambiental ao fumo passivo foi identificada como um fator de risco de AVC, elevando o risco da doença em até 30% entre nos indivíduos não fumantes.12 Os fumantes têm um risco dobrado de acidente vascular cerebral, com uma relação observada de dose-resposta. Este risco é modificável, podendo retornar ao normal após 10 anos de abstinência.13 É recomendada abordagem individual com terapia farmacológica (adesivo de nicotina, bupropiona ou tartarato de vareniclina) em associação a tratamento não farmacológico (com destaque para terapia cognitivo-comportamental) – classe I, nível de evidência A.13
- Alcoolismo: A maioria dos estudos mostra uma associação entre bebida alcoólica e AVCi, com efeito protetor no consumo leve (<151 g/semana) e moderado (151-300 g/semana), e risco aumentado no consumo elevado (>300 g/semana). O risco atribuível para a ingestão de álcool é maior para AVC hemorrágico.5,6 Devido a preocupação de estimular o uso abusivo, não é recomendado encorajar o hábito de consumo etílico.
- Dieta e Nutrição: A dieta é considerada um estratégia importante para a gestão dos fatores de risco, em particular para o colesterol e a redução da pressão arterial.14 Uma alimentação equilibrada com foco na redução de gordura saturada e de sódio, aporte mínimo de potássio, e protocolos específicos como a dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) e a dieta Mediterrânea, são recomendados para prevenção do AVC. Quanto à ingestão de sódio há diferentes recomendações na literatura. O US Dietary Guidelines for Americans recomenda uma ingestão de sódio <2300 mg/dia para a população em geral. Em grupos selecionados, como negros, hipertensos, diabéticos, portadores de doença renal crônica e idade >51 anos é recomendado o consumo < 1500 mg/dia, mesmo valor recomendado pela American Heart Association (AHA) para a população em geral. A dieta DASH esta associada a um menor risco de AVC, e é recomendada para controle dos níveis pressóricos – classe I, nível de evidência A. A dieta Mediterrânea suplementada com nozes pode ser considerada na redução do risco de AVC – classe IIA, nível de evidência B.13
- Obesidade e sobrepeso: Sobrepeso aumenta o risco de AVCi em 22% e a obesidade triplica o mesmo risco, ao favorecer a hiperglicemia e arteroesclorese.9 É recomendada perda de peso para os pacientes com sobrepeso e obesidade para controle do risco cardiovascular – Classe I, Nível de Evidência B, e para controle pressórico – classe I, nível de evidência A.13
- Atividade física: Em geral, revisões sistemáticas e meta-análises mostraram que a prática de atividade física pode reduzir o risco de acidente vascular cerebral ou mortalidade em 25% a 30%.13 Segundo a American Heart Association (AHA), a atividade física esta associada a uma redução em todos os AVCs.11 É recomendada atividade física para prevenção primária de AVC – classe I, nível de evidência B. Para adultos saudáveis, é recomendada atividade física aeróbica de intensidade moderada a vigorosa, pelo menos 40 minutos por dia, três a quatro dias por semana – classe I, nível de evidência B.13
- Estresse e depressão: O estresse psicossocial também apresenta um risco aumentado de todos os acidentes vasculares cerebrais. A depressão parece ter maior relação com os acidentes vasculares isquêmicos.3 É importante a identificação e controle do estresse, depressão e ansiedade para reduzir o risco.
- Causas cardíacas: A fibrilação atrial (FA) é o evento cardíaco mais comum, e geralmente associado a isquemias com pior desfecho.17 O risco de ACVi em pacientes com FA aumenta com a idade e outros fatores de risco, incluindo hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral prévio.16,17 Segundo o estudo JOINVASC, aproximadamente 25% dos AVCi são de etiologia cardioembólica, porém muitas vezes ela só é diagnosticada após o evento. É recomendado rastreio ativo da população com mais de 65 anos, a partir de avaliação sistemática do pulso, seguido de ECG de 12 derivações se pulso irregular – classe IIA, nível de evidência B.13 Tal conduta pode aumentar em 60% o reconhecimento da FA.
Conclusão:
A prevenção do AVC requer o controle dos principais fatores de risco modificáveis. Grande parte dos acidentes vasculares são diagnosticados após o primeiro evento. A estratificação de risco individual é fundamental para a identificação dos fatores de risco. Iniciativas para melhorar o acesso aos cuidados médicos devem acompanhar a modificação dos fatores de risco e a prevenção baseada em orientações.18
Menos comum, mas não menos trágico os AVCh são muitas vezes secundários a patologias vasculares intracranianas pré-existentes como Aneurismas intracranianos, Mal formações arteriovenosas (MAVs) e etc. Os métodos de rastreio devem incluir imagens cerebrais de rotina, sobretudo em doentes com alto índice de suspeição como historia familiar de hemorragias intracranianas. O check-up em adultos pode ser realizado com métodos não invasivos, como Angiotomografia e Angioressonancia. A angiografia digital permanece como método padrão ouro no diagnostico de patologias vasculares intracranianas, mas por ser um método invasivo é indicado apenas em casos selecionados.
Uma parte substancial dos acidentes vasculares cerebrais pode ser evitada com esta abordagem, resultando em uma redução de eventos vasculares em até 80%.15.
Referência:
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