Nunca será um clichê repetirmos a frase “lugar de mulher é onde ela quiser”, até que chegue um tempo de equidade entre os gêneros e que a força feminina esteja bem representada em todas as áreas profissionais, incluindo a Medicina e a Ciência. E com objetivo de conhecer as mulheres médicas que inspiram, a Academia Nacional de Medicina promoveu um simpósio dedicado a destacar os papeis brilhantes dessas profissionais. A organização foi da acadêmica Patrícia Rocco e das jovens líderes da ANM Andreia Cristina de Melo, Fernanda Cruz, Heloísa Nascimento e Maria Helena Rigatto.
Durante a abertura, o presidente da ANM, professor Rubens Belfort Jr, destacou o grande desafio da equidade brasileira. “Um dos nossos desafios é trazer mais equidade para o país e fico triste vendo a Academia Nacional de Medicina tendo excelentes mulheres, mas em número muito menor do que o devido e do existente na medicina e na sociedade científica do Brasil”, comentou Belfort.
A acadêmica Patrícia Rocco falou sobre disparidade entre os gêneros, abrindo as apresentações.
– Quando se pensa no papel da médica como profissional e na sociedade, há uma mescla da mulher, da mãe, da filha e todos esses papeis exigem dedicação. Atualmente, o percentual de médicas no mercado de trabalho é em torno de 46,6%, dado de 2020, que se aproxima ao percentual de médicos, porém há poucas médicas em cargos de chefia ou em academias. Nesse contexto, na Academia Nacional de Medicina, temos somente cinco acadêmicas, em um total de 100, e 10 jovens líderes médicas em um total de 50.
Entre as convidadas, Helena Nader, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, lembrou de grandes mulheres que fizeram a diferença e foram pioneiras no país e na ciência. Citou também o relatório publicado pela Elsevier em 2017 “Gênero no cenário da pesquisa global”, comparando dois períodos, 12 países e 27 áreas temáticas da ciência. O que se descobriu foi que, de 1996 a 2000 e depois de 2011 a 2015, as mulheres representavam mais de 40% dos pesquisadores, sendo no Brasil e em Portugal, a marca de 49%. No entanto, o impacto das publicações e das citações das mulheres é menor quando comparadas aos homens. Além de que as mulheres colaboravam menos a nível internacional em todos os países analisados. Segundo ela, isso retrata a dificuldade de mobilidade da mulher em função de seu outro papel na gestão do lar.
“O impacto das pesquisadoras serem menos conhecidas por circularem menos e são menos citadas, ficando de fora de networks. O que também diminui as chances de progressão na carreira […] E somente podemos mudar este cenário por meio da educação, iniciando na base, promovendo modelos de comportamento e inspiração. As mulheres encontram desafios em todas as profissões, mas nas carreiras científicas é muito duro”, ressaltou Nader.
Apresentando a visão da mulher na prática clínica, a acadêmica Mônica Gadelha, a Honorária Ana Maria Teodoro Jorge, Kallene Summer Vidal, do Programa Jovens Lideranças Médicas da ANM, e Iscia Lopes Cendes, da Unicamp, opinaram sobre as disparidades entre os gêneros, os impactos da pandemia entre homens e mulheres e compartilharam experiências pessoais sobre os legados que pretendem deixar para as próximas gerações femininas.
Quem também participou da sessão foi Dulce Pugliese Godoy Bueno, da Dasa, que contou sua trajetória de sucesso como empreendedora da saúde em que viu na “administração e gestão uma forma de ajudar as pessoas em grandes números e não uma a uma, como fazia e amava na medicina”.
– Eu não trabalho mais sozinha, eu pratico medicina através de 40 mil pessoas. Faço medicina através da administração.
E deixou como dica às jovens: “Elas podem ser o que bem entenderem na vida, mas façam o que amam”, aconselhou Dulce.
Outro tema debatido foi a representatividade da mulher nas especialidades cirúrgicas por meio de uma conversa entre acadêmica Talita Franco, a Honorária Nacional, Angelita Gama, e Elizabeth Gomes dos Santos, do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Em uma frase inspiradora, Elizabeth deixou um recado direto às mulheres: “Não se permita desistir, andar para trás e ser detida. Sempre haverá bullying ou preconceito, isso ainda não mudou. Você precisa usar tudo isso como força.”
A pesquisa do câncer também é um espaço no qual as mulheres continuam como minoria como apresentou Elisabete Weiderpass Vainio, diretora da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC). Segundo ela, a American Society of Clinical Oncology (ASCO) demostrou que apenas 30% da força de trabalho em oncologia são de mulheres.
Um panorama sobre a presença da mulher na pesquisa científica foi tema debatido pela acadêmica Eliete Bouskela, a Honorária Doris Rosenthal e Fernanda Cruz, Alumni do Programa Jovens Lideranças Médicas da ANM, reforçando a necessidade de mais diversidade no ambiente de trabalho. A desigualdade de gênero é um problema global. Por fim, Alessandra Sá Earp Siqueira, diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde falou do papel da mulher na gestão pública e da importância de fomentar a diversidade e a inclusão.
Durante o simpósio em homenagem às mulheres, Sandra Abrahão, da Vifor Pharma Brasil e Adriana Suely de Oliveira Melo, do Instituto Professor Joaquim Amorim Neto, apresentaram um pouco de suas trajetórias em pesquisa e assistência em prol da saúde da população brasileira.
“Incentivar as novas gerações, além de sustentabilidade é a maneira de se pavimentar o futuro”, declarou Sandra Abrahão que, desde a sua criação, investe e acompanha o programa de Jovens Lideranças Médicas da ANM. A médica definiu um líder como uma pessoa que inspira e influencia outras pessoas e, que, generosamente, compartilha conhecimento e boas práticas.
Abrahão destacou que os grandes aprendizados da pandemia foram “as oportunidades para se repensar o futuro da Humanidade de forma global; a reflexão que a sociedade precisa ter sobre o acesso à educação para selecionar bem os seus líderes e, por último, mas não menos importante, que os líderes precisam saber liderar”. A médica replicou uma provocação em relação ao empoderamento feminino:” a metade do mundo é de mulheres, a outra metade é de filhos delas!”
Já a médica Adriana Suely de Oliveira Melo comentou que, no passado recente, as grandes descobertas cientificas e da medicina foram feitas por homens. Mas, que esse cenário mudou, e que na contemporaneidade, as mulheres estão à frente de relevantes descobertas para aplicação na assistência à população.
A médica, por exemplo, esteve á frente de várias pesquisas pioneiras sobre o vírus da zika e a correlação com a microcefalia, que deixou sequelas em tantas crianças no Brasil. Ela desabafou: “Não é fácil você ser mulher, no interior do Nordeste e ter pesquisas reconhecidas. O cientista não tem um lado ou um gênero, o cientista tem a verdade da ciência.”
A acadêmica Patrícia Rocco finalizou o encontro falando sobre compaixão e empatia que permearam todas as palestras do dia. Em agradecimento, ela disse: “todas essas mulheres nos inspiram!”.
Para ver a íntegra da sessão, acesse:
Parte I – https://www.anm.org.br/simposio-mulheres-medicas-que-inspiram-4-de-novembro-de-2021-parte-i/
Parte II – https://www.anm.org.br/simposio-mulheres-medicas-que-inspiram-4-de-novembro-de-2021-parte-ii/