O progresso recente da cardiologia intervencionista acompanhou-se de substancial avanço das modalidades invasivas de caracterização do ateroma. Cada vez mais, pacientes e lesões complexas, outrora abordados exclusivamente de forma cirúrgica, estão sendo tratados por meio de procedimentos percutâneos com implante de stents farmacológicos.
Neste cenário cada vez mais abstruso, a tomada de decisão sobre a necessidade de intervir assim como o acompanhamento da intervenção a fim de aperfeiçoar seus resultados, se faz mais necessária. Para tal, o ultrassom intracoronário (USIC) e a tomografia de coerência óptica (OCT) têm sido empregados.
Estas modalidades de avaliação da doença aterosclerótica coronária foram bastante utilizadas nas últimas décadas, havendo ampla variedade de estudos clínicos que suportam seu uso nos diversos cenários da prática intervencionista contemporânea, desde a avaliação das placas ateromatosas ditas moderadas ou intermediárias até a definição do implante ótimo do stents e identificação de seus mecanismos de falência (reestenose e trombose)
O USIC é uma modalidade de imagem invasiva que através de imagens tomográficas, permite visualizar a estrutura da parede vascular, identificando acuradamente a presença da doença arterial coronária (DAC) nos seus diferentes estágios e as alterações dinâmicas do vaso coronário antes, durante e após a intervenção coronária percutânea (ICP). O cateter de ultrassom tem incorporado na sua extremidade um transdutor miniaturizado, o qual possui um ou múltiplos cristais constituídos de cerâmica, que produzem cerca de 1.800 rotações por minuto, emitindo feixes sonoros contra a parede arterial, os quais são parcialmente refletidos de volta ao cateter, gerando a imagem monocromática. Desde sua introdução na prática clínica por Yock et al em 1989, o USIC tem se tornado uma valiosa ferramenta, adjunta à angiografia, auxiliando a melhor compreensão e tratamento da doença artérial coronária. Por estar disponível a mais tempo para uso clínico, este método, quando comprado ao OCT, acumula um corpo mais sólido de evidência científica embasando sua utilização.
Por sua vez, o OCT é um novo método de imagem intravascular que fornece imagens tomográficas de alta definição, utilizando a luz infravermelha como fonte de energia. O feixe luminoso emitido pelo OCT tem comprimento de onda de aproximadamente 1.300nm, tornando a penetração nos tecidos limitada em 1 a 3 mm, comparado aos 4 a 8 mm alcançados pelo USIC. Em contrapartida, fornece ao OCT uma resolução axial 10 vezes maior (10 a 15 µm) que a obtida pelo USIC (100 a 150 µm), com menos artefatos na imagem. A resolução lateral da OCT é de 12 a 18 µm contra 150 a 200 µm do USIC. Estas propriedades conferem ao OCT uma alta resolução, com capacidade de gerar imagens de alta qualidade com definição “próxima do nível histológico”.
De um modo geral ambas as modalidades de imagem servem aos mesmos propósitos, quer seja de avaliar com mais precisão o grau de estenose de uma lesão coronária moderada/ambígua, ou ainda como instrumental adjunto, para guiar a realização de intervenções complexas, permitindo dimensionar de forma mais acurada o vaso a ser tratado e avaliar o resultado do procedimento, visando sempre obter o melhor grau de expansão e aposição possível, o que sabidamente reduz necessidades futuras de novas intervenções na lesão-alvo. Estes métodos de imagem se prestam também, no campo da pesquisa clínica, à avaliação da composição do ateroma para detecção das chamadas placas “vulneráveis” e também nos chamados estudos “first-in-men” (FIM), para avaliar a eficácia e segurança de novas tecnologias em desenvolvimento para uso coronário, como os stents farmacológicos e mais recentemente os stents bioabsorvíveis.
Embora de um modo geral compartilhem de indicações clínicas semelhantes, estes métodos, pela natureza distinta como geram suas imagens, também partilham de diferenças e vantagens/desvantagens. Em linhas gerais, a utilização da luz infravermelha pelo OCT favorece a obtenção imagens com maior resolução superficial (ou axial) em relação ao USIC, com magnificação das imagens em até 10 vezes. Com isso, a interpretação das imagens bem como a realização de mensurações no lumen coronário se tornam mais fáceis e precisas com esse novo método. Também, devido a elevada velocidade de aquisição das imagens com a OCT (100 quadros coronários por segundo, versus 30 quadros por segundo com o USIC), podemos realizar reconstruções tri dimensionais da artéria coronária com grande precisão e qualidade, o que tem sido bastante explorado no campo das bifurcações coronárias e nas análises tardias de stents bioabsorvíveis.
Por outro lado, sabemos que o sangue presente na coronária representa um artefato à luz infra vermelha, e para que se possa obter imagens de boa qualidade com o OCT, é necessário sua remoção/interrupção temporária. Para tal, a realização da OCT demanda injeção (“flush”) de solução de contraste iodado durante a aquisição das imagens, uma vez que o contraste, por possuir maior peso molecular que o sangue, o removeria da luz vascular permitindo a obtenção de imagens de boa qualidade (o contraste iodado não representa artefato à luz infravermelha). Portanto, a realização de OCT fica prejudicada em pacientes com importante disfunção renal (o contraste poderia piorar o funcionamento deste órgão), nos indivíduos com severa disfunção miocárdica (para evitar a sobrecarga de volume ao miocárdio já previamente combalido) e na avaliação de lesões aorto-ostiais, uma vez que tecnicamente não se consegue bloquear adequadamente o fluxo sanguíneo neste cenário.
A figura 1 exemplifica “lado a lado” um corte tomográfico visto ao USIC e à OCT, com as principais diferenças entre as duas modalidades de imagem.
Figura 1. “Lado a lado” imagens tipo corte tomográfico de uma artéria coronária avaliada pelo ultrassom intracoronário (à esquerda) e pela tomografia de coerência óptica (à direita). Conforme podemos notar, a tomografia de coerência óptica gera imagens de mais alta resolução superficial quando comparada ao ultrassom intracoronário, o que torna mais fácil e precisa a identificação das estruturas coronárias com este novo método. Por sua vez, o ultrassom intracoronário tem maior capacidade de penetração tecidual, permitindo avaliação de estruturas localizadas mais profundamente na parede arterial, além de não necessitar contraste para obtenção de suas imagens.
Autores:
J Ribamar Costa Jr.
Amanda GMR Sousa
J Eduardo Sousa – Membro Titular da Academia Nacional de Medicina