Em sua conferência, no dia 15/08/2013, o oncologista Casali comparou o DNA a uma grande biblioteca de culinária, organizada em livros (cromossomos) e capítulos (genes), que codificam receitas para proteínas com funções dentro das células. Toda a biblioteca é exatamente igual em cada célula do corpo, mas em cada órgão só funcionam algumas receitas. Por exemplo, uma célula do pâncreas produz insulina, mas a receita da insulina está inativa em outros órgãos. “Uma mutação na receita de um bolo que falte a palavra ‘fermento’, por exemplo, vai fazer o bolo solar. Da mesma forma, um gene escrito de forma errada por conta de uma mutação, pode gerar enzimas inativas”, explica. Porém, embora os genes estejam escritos no DNA, temos interruptores que podem ligá-los ou desligá-los de acordo nosso estilo de vida. Portanto, para determinar as chances de aparecimento das doenças, as susceptibilidades genéticas individuais devem ser somadas à exposição do ambiente (ao estilo de vida e até à forma de enfrentar a vida que cada um tem). Assim, cabe ao geneticista tentar identificar quais e onde as mutações estão ocorrendo e tentar promover a prevenção antecipada, ou oferecer o melhor tratamento para cada pessoa.
A oncogenética já trouxe uma série de novas possibilidades, como a de ajudar no diagnóstico, principalmente nos casos difíceis de serem determinados histologicamente. Também ajuda na classificação mais específica dos tumores e na descoberta de pontos frágeis que possam guiar o médico no tratamento. “O conceito novo é definir os tumores por suas vias genéticas, que muitas vezes podem ser as mesmas em tumores provenientes de órgãos diferentes e que, possivelmente, serão tratados da mesma forma”, acrescenta.
Entretanto, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar o máximo que esta área pode oferecer, pois os testes atuais ainda buscam nos tumores apenas algumas mutações específicas já conhecidas. “É uma ilusão achar que estas poucas mutações serão as únicas responsáveis pelo câncer. Cada tumor tem sua própria identidade e existe uma infinidade de outras alterações genéticas em cada um deles que não estamos vendo”, explica. “A solução para isso seria o sequenciamento genômico”, aposta. “Hoje, estamos preparados para colocar o sequenciamento em prática. Não só das células normais, para trazer à tona quais doenças podem ser prevenidas, mas também das células tumorais, para definir todas as ‘receitas’ que podem estar alteradas, e nos ajudar a guiar e curar definitivamente a doença. Para curar o câncer, precisamos de informação para tratá-lo na sua integridade”.
Porém, um dos principais desafios apontados é a deficiência na formação dos médicos no Brasil. “Hoje, as nossas faculdades não colocam como prioridade a genética no ensino básico e raras são universidades com cadeiras de oncologia”, lamenta. Outro ponto é a falta de uma cultura médica que valorize mais a prevenção. “10% dos cânceres são hereditários. Isso significa que para cada paciente diagnosticado com algum desses tipos, temos toda uma família de risco, e que pode ser muito grande”, ressalta. “Nesses casos, os familiares já deveriam ser incluídos em programas de rastreamento genético. Deveríamos sempre ter uma atitude preventiva, educando essas famílias, fazendo aconselhamento genético e ensinando que enfrentar o problema traz benefícios enormes. Em vez disso, ainda estamos gastando muito mais tempo, dinheiro e a saúde das pessoas, para ficar apagando incêndios evitáveis”.
O Dr. José Claudio Casali se graduou em Medicina pela Universidade Federal Fluminense em 1988. Fez residência médica em Oncologia Clinica pelo Instituo Nacional de Câncer (INCA) em 1996, doutorado em Oncologia pela Fundação Antônio Prudente (2002) e pós-doutorado em Farmacogenética pelo St Jude Children’s Research Hospital (EUA), em 2005. Fundou o departamento de Oncogenética do Hospital AC Camargo em 1998 e em 2005 foi diretor do Banco Nacional de Tumores e DNA do INCA, onde desenvolve sua linha de pesquisa em Oncologia Translacional.
Veja as imagens da apresentação em: http://www.slideshare.net/Academia-Nacional-de-Medicina/dr-claudio-casali-oncologia-personalizada]