No final de 2016, a revista Cell detalhou um estudo que aponta para a ligação entre o Mal de Parkinson e a microbiota intestinal. Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) fez a descoberta com base em experimentos realizados em ratos. A associação, considerada “inusitada” para muitos, traz à tona a importância de desenvolver estudos mais aprofundados sobre a microbiota intestinal, que é capaz de influenciar o desenvolvimento neurológico e modular o comportamento.
Para tentar elucidar a importância que a microbiota tem para a Saúde, a Academia Nacional de Medicina convidou a Dra. Maria do Carmo Friche (UFMG) na última quinta-feira (27) para apresentar conferência intitulada “Microbiota Intestinal: o Impacto na Saúde e na Doença”. Além da conferência da Dra. Maria do Carmo, o Acadêmico e gastroenterologista José Augusto Messias mediou a rodada de discussões, que contou com a contribuição dos Acadêmicos e da plateia presente, formada por estudantes, residentes e diversos profissionais da área da Saúde.
A convidada foi apresentada pelo Acadêmico José Galvão Alves, que falou não só sobre a importância do tema, trazendo dados atualizados sobre os estudos da microbiota, mas também do trabalho pioneiro desenvolvido pela Professora. A Dra. Maria do Carmo Friche possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (1985), com mestrado (1999) e doutorado (2004) pela mesma Universidade. Seu pós-Doutorado foi realizado na Universidade de Harvard, no Hospital Beth Israel Deaconess Center, em Boston (2007). Atualmente, é Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais e da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Atuou como Presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia (2015-2016) e como médica assistente do Instituto Alfa de Gastroenterologia, no Hospital das Clínicas da UFMG. Nos últimos anos vem se dedicando ao estudo e investigação na área dos distúrbios gastrointestinais funcionais, especialmente dispepsia funcional e síndrome do intestino irritável e da microbiota intestinal.
Ao apresentar o histórico dos estudos que trataram sobre o tema, dois cientistas foram ressaltados: Louis Pasteur (1822-1895) e Élie Metchnikoff (1845- 1916), cujos trabalhos marcaram o início do desenvolvimento de uma compreensão mais clara sobre o funcionamento dos micro-organismos. Apesar deste fato, a Dra. Maria do Carmo Friche apontou para a existência de uma imensa lacuna na literatura médica até o início dos anos 2000. Segundo a palestrante, a microbiota intestinal humana foi sempre negligenciada e esquecida; todavia, atualmente, possui importância fundamental na manutenção da saúde e no desenvolvimento das doenças.
Sobre a microbiota intestinal, afirmou que esta se refere a coleções de centenas de milhares de microrganismos que habitam normalmente o trato digestivo do ser humano. Sua formação é iniciada ainda no canal de parto, adquirindo suas características principais entre 24 e 36 meses. Para se ter uma ideia da dimensão da microbiota no corpo humano, estima-se que os microrganismos residentes superam em 10 a 100x o número de células existentes no corpo humano, englobando mais de 10 mil espécies. Em conjunto, a microbiota tem atividade metabólica semelhante a um órgão.
De acordo com um estudo publicado na conceituada revista Nature empregando técnicas de sequenciamento de DNA, foram mapeadas as colônias de micro-organismos do corpo humano e foram detectadas 741 espécies na microbiota intestinal, das quais 518 eram até então completamente desconhecidas. Para alcançar estes resultados, foi empregada uma nova tecnologia de bioinformática, que permitiu triplicar o catálogo de genes microbianos conhecidos.
Dentre os impactos da microbiota na Saúde, foi destacada sua influência no sistema imunológico; no desenvolvimento cerebral, saúde mental e memória; no peso e no desenvolvimento de doenças crônicas e graves. Além disso, a gastroenterologista chamou atenção para o fato de que o número e a quantidade de microrganismos variam enormemente entre os indivíduos sadios, fazendo da microbiota uma marca quase individual de cada um de nós.
Na sequência, abordou o desequilíbrio da microbiota intestinal (disbiose) e seus principais desdobramentos, como inflamação intestinal, aumento do estresse oxidativo e da produção de biotoxinas, alteração da produção/síntese de neurotransmissores, aumento da permeabilidade intestinal e disfunções no metabolismo energético, na síntese de nutrientes e na atividade enzimática. Afora as doenças intestinais, a disbiose também está associada a doenças hepáticas e neoplasias de fígado e cólon.
Em seguida, abordou a conexão entre cérebro e intestino, discorrendo sobre o “passo a passo” dessa associação. De acordo com a Dra. Maria do Carmo, o Sistema Nervoso Central está conectado ao intestino através de sistema nervoso entérico, por meio de cerca de 200 a 600 milhões de neurônios. O desenvolvimento normal da microbiota intestinal é necessário para a estimulação da plasticidade cerebral e da atividade motora e comportamental. Dessa forma, um quadro de disbiose intestinal parece contribuir para distúrbios psiquiátricos e neurológicos, com destaque para pacientes autistas, cuja gravidade tem sido correlacionada a sintomas gastrointestinais e à disbiose.
Dentre as formas de manipulação da microbiota intestinal, estão o desenvolvimento de dietas específicas, a manipulação de antibióticos e a bioterapia. Além destes, foi abordado o transplante de microbiota, que, dentre outros benefícios, apresentou uma melhora significativa dos sintomas e da qualidade de vida dos pacientes.