A Sessão Plenária da Academia Nacional de Medicina da última quinta-feira (03) teve como homenageada Marie Josephine Mathilde Durocher, popularmente conhecida como Madame Durocher – a mais célebre parteira do Rio de Janeiro, no século XIX. A parteira foi a primeira mulher a ser recebida como Membro Titular na Academia Imperial de Medicina, e o bicentenário de sua chegada ao Brasil motivou a realização de um Simpósio dedicado à Obstetrícia, de organização do Acadêmico Emérito Carlos Montenegro.
Na abertura do simpósio o Presidente Francisco Sampaio fez uma apresentação sobre Madame Durcher e suas atividades na Academia Nacional de Medicina, destacando que a parteira atendia nos vários bairros da cidade, sem distinção social, a mulheres livres e escravas, até mesmo de membros da nobreza. Em 1866, foi nomeada Parteira da Casa Imperial, e atendeu o nascimento da Princesa Leopoldina, filha de D. Pedro II (1840-1889). Dominava as técnicas obstétricas mais usadas em sua época, como a aplicação do fórceps, a versão, a embriotomia, a “encerebração”, além de cuidar de eclampsia e hemorragias, complicações normalmente letais à parturiente ou ao feto. Praticava ainda a reanimação do recém-nascido, restabelecendo-lhe a respiração. Fazia atendimentos clínicos na área ginecológica, cuidava da saúde de recém-nascidos e fazia perícias médico-legais (casos de atentado violento ao pudor, defloramento, estupro e outros). Embora a prática ginecológica fosse vedada a quem não portasse o diploma de Medicina, Madame Durocher justificava os seus atendimentos explicando que muitas mulheres preferiam morrer a serem examinadas por homens.
A primeira etapa do Simpósio dedicou-se a discutir a pré-eclâmpsia, doença que acomete de 5% a 10% das gestantes. A Dra. Fátima Penso (SMS/RJ) dedicou-se a discutir a associação entre a doença e a mortalidade materna no Brasil. Salientou que, apesar de o país ter reduzido as mortes maternas em 43% de 1990 a 2013, cerca de 18% dos casos de prematuridade estão relacionados à doença, comparados a apenas 8% em países desenvolvidos. Além deste fato, a pré-eclâmpsia apresenta grande impacto na morbidade perinatal a curto e longo prazo.
Já o Dr. Joffre Amim Junior (UFRJ) abordou “Novos Critérios Diagnósticos e de Gravidade” da doença, destacando que a toxemia gravídica pode se apresentar nas formas de: hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, hipertensão crônica ou pré-eclâmpsia superajuntada, dependendo das manifestações clínicas envolvidas. A respeito das ferramentas diagnósticas, apresentou, além da aferição da pressão sanguínea e dos níveis de proteinúria, é possível realizar o diagnóstico por meio da identificação de trombocitopenia, comprometimento da função hepática e até mesmo a identificação de alterações cerebrais, como hemorragias intracerebrais e convulsões, dentre outros.
O tratamento para a forma leve da pré-eclâmpsia foi tema da aula do Prof. Marcos Nakamura (Instituto Fernandes Figueira), que destacou que o cuidado sem hospitalização só pode ser considerado em mulheres com hipertensão não grave, assumindo-se que foram realizadas avaliações completas materna e fetal e que a forma grave da doença foi excluída. Todavia, existem riscos a serem considerados, uma vez que o tratamento anti-hipertensivo na gestação pode reduzir a velocidade de crescimento fetal. Por fim, o Professor debateu os casos onde a interrupção da gravidez deve ser considerada uma opção, principalmente naqueles onde há risco neonatal ou riscos associados a indução e cesariana.
Com relação ao tratamento da pré-eclâmpsia grave, o Prof. Alexandre Trajano (UFRJ) ressaltou que é necessário que o médico avalie o bem-estar fetal e equilibre o quadro clínico materno (por meio de um tratamento “de ataque” à doença), para então definir sua conduta obstétrica. No caso da necessidade de interrupção da gravidez, o Professor salientou a necessidade de considerar a gravidade do comprometimento materno e fetal, a idade gestacional e também a estrutura assistencial disponível para a gestante.
Já ao Prof. Marcelo Burlá (UFF), coube discorrer sobre “Tratamento da Eclâmpsia”, caracterizada pela presença de convulsões tônico-clônicas generalizadas, ou coma, em mulheres com pré-eclâmpsia. Historicamente, a eclâmpsia era tratada com a sangria materna, e posteriormente com drogas anti-hipertensivas e anticonvulsivantes, muitas vezes causando óbito fetal. Com o aperfeiçoamento dos conhecimentos fisiopatológicos, a interrupção da gravidez passou a ser o tratamento de escolha. Porém, o marco na prevenção e no tratamento das convulsões na eclâmpsia foi o uso do sulfato de magnésio (MgSO4), que provou ser mais eficiente que os anticonvulsivantes clássicos.
Encerrando o primeiro bloco de apresentações, a Profa. Fernanda Campos (UNIRIO) fez apresentação sobre o “Tratamento da Síndrome HELLP”, sigla em inglês para hemólise, enzimas do fígado elevadas e plaquetas baixas. O tratamento para a Síndrome consiste na interrupção da gravidez após as 34 semanas – nos casos em que a síndrome aparece antes das 34 semanas de gestação, o tratamento é feito por meio de internação com repouso absoluto; transfusões de sangue para tratar a anemia provocada pela síndrome; medicamentos anti-hipertensivos; ingestão de sulfato de magnésio para evitar convulsões e injeções de corticosteroides para acelerar o desenvolvimento do bebê.
Discorrendo sobre “Madame Durocher e a Obstetrícia de seu Tempo”, o Prof. Antonio Braga (UFRJ) destacou que a Acadêmica fora a primeira parteira diplomada do Brasil, em 1934, tornando-se Parteira da Casa Imperial em 1866. Como exemplo de sua prática vanguardista, o Prof. Antonio Braga chamou atenção para o fato de que, já em 1887, Madame Durocher posicionava-se contra técnicas como a aceleração do parto pela dilatação do colo com o dedo, a perfuração das parias e até mesmo o emprego do centeio. Por fim, discorreu sobre o Prêmio Madame Durocher, oferecido pela Academia Nacional de Medicina, que diploma o melhor trabalho sobre Obstetrícia, Ginecologia ou Puericultura intrauterina, honraria recebida por personalidades como o Acadêmico Carlos Montenegro.
Por fim, o Prof. Jorge Rezende Filho (UFRJ) abordou “Predição e Prevenção da Toxemia Gravídica”, apresentando quadro de perfis considerados de risco para o desenvolvimento da doença, que podem ser associados tanto ao histórico da paciente como a fatores fisiológicos (perfil cardiológico, metabólico, placentário, etc.). Os estudos apresentados pelo Professor apontam que a aspirina tem resultados eficazes não só no tratamento, mas na prevenção da doença. Ao final de sua apresentação preconizou que as estratégias de prevenção devem estar associadas à identificação dos perfis de risco, buscando reduzir a alta taxa de mortalidade materna relacionada à toxemia, que chegam a 20% no Brasil.