Entre 2020 e 2030, as mortes por câncer em todo o mundo têm estimativas de cerca de 80 milhões, sendo que 70% desses óbitos ocorrerão em países de baixa e médio desenvolvimento socioeconômico. Se houver ampliação do acesso a diagnóstico precoce a partir de imagens e qualidade no atendimento, 12,5% desses óbitos poderão ser evitados, variando de 2,8% em países de alta renda para 38,2% em países de renda baixa. Os dados foram apresentados pela médica Hedvig Hricak, do Departamento de Radiologia, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, dos Estados Unidos, uma das convidadas do simpósio “Imagens em oncologia”, promovido pela Academia Nacional de Medicina, no dia 10 de junho de 2021.
A evolução dos métodos de imagem foi o assunto da palestra de Leonardo Kayat, da Cleveland Clinic. O radiologista traçou uma linha do tempo de como eram avaliados os achados diagnósticos, desde os tempos da identificação de massa tumoral na imagem obtida com detecção tardia do câncer; passando pela identificação mais precoce; avançando até as propriedades da massa tumoral com o diagnóstico diferencial e as imagens multiparamétricas com a combinação de técnicas de imagem para avaliação de alterações funcionais e terapêuticas, focando nos radiomics e radiogenomics em que se avalia a expressão gênica correlacionada às características de imagem do câncer. Segundo ele é a chegada na era da medicina de precisão.
O simpósio “Imagens em oncologia” foi coordenado pelo acadêmico Giovanni Guido Cerri e o acadêmico Paulo Hoff foi um dos debatedores. Apesar da chegada da medicina de precisão, Hoff centrou seus comentários em três eixos: o uso da imagem em oncologia para o diagnóstico mais preciso, no acompanhamento dos pacientes e na intervenção terapêutica. Além disso, destacou a questão do acesso e disponibilidade das novas tecnologias como a Inteligência Artificial (IA) também para pacientes do SUS. Ele questionou a capacidade brasileira de expansão de serviços como o de imagem molecular para o manejo do paciente, tratamentos minimamente invasivos para tumores residuais e finalizou comentando sobre o paradoxo da medicina do século XXI e a inequidade no acesso para todos.
A IA tem gerado uma grande expectativa entre os profissionais. A médica Cláudia Leite, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), espera que os equipamentos consigam diminuir o tempo de leitura dos dados gerados, com maior precisão nos exames e êxito no diagnóstico. E, devido a esse impacto, acredita-se que a radiologia será a peça-chave com a evolução tecnológica.
Segundo Almir Bitencourt, Jovem Liderança Médica da ANM e médico do A.C.Camargo Cancer Center (ACCC), indiscutivelmente, os métodos de imagem são parte da prevenção, detecção precoce, acompanhamento do paciente oncológico e permitindo tratamento menos agressivo e a redução da mortalidade.
Almir destacou um estudo da Universidade de Harvard em parceria com Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT – sigla em inglês) em que eles avaliaram cerca de 90 mil mamografias retrospectivamente na tentativa de predizer o risco de as pacientes desenvolverem câncer de mama nos próximos cinco anos. “Os resultados foram bastante interessantes. Demostraram que usando um algoritmo de IA, conseguia-se uma melhor predição do risco se comparado aos métodos atuais.
Outro aspecto interessante dos debates foi levantado pelo médico Valdair Muglia, da USP-Ribeirão Preto e presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, que abordou a importância dos laudos estruturados para melhorar a comunicação de resultados, principalmente em oncologia. “A sua utilização tem impacto individual, mas também pode ser expandida para o sistema de saúde. Quebrando uma resistência à sua implementação, que ainda é grande no meio radiológico, pois ainda somos uma especialidade focada no texto livre”.
O papel da imagem radiológica no tratamento foi assunto de Rubens Chojniak, também do A.C.Camargo, e que citou as aplicações na avaliação de resposta ao tratamento.
– A avaliação da eficácia de um tratamento oncológico também é uma tarefa importante que, muitas vezes, envolve exames radiológicos. Durante o tratamento, na decisão clínica, o paciente pode ter a interrupção de tratamento não eficiente, muitas vezes, caro e tóxico. E a decisão pela continuidade de terapêuticas eficientes passam e são tomadas com o exame radiológico na mão. Além disso, a triagem de novas drogas para tratamento clínico também é obtida por respostas dadas por exames seriados de imagem”.
As novidades sobre o método de ultrassonografia como a utilização de contraste de microbolhas e outros aspectos foram esclarecidos por Antônio Sergio, do Hospital Sírio-Libanês.
Na palestra sobre “Imagem híbrida: PET/CT e PET/RM”, apresentada por Marcelo Queiroz, Jovem Liderança Médica da ANM e do Instituto do Câncer de São Paulo, o foco foi para os benefícios da utilização das técnicas de fusão de imagens e, principalmente, com o uso de biomarcadores.
– Um estudo com o uso de PET-PSMA para detecção do câncer de próstata mostrou maior acurácia com 92% contra 65% da tomografia e cintolografia, maior impacto terapêutico (28% contra 15%,) e menor taxas de resultados incertos (7% contra 23%), além de oferecer menor exposição à radiação e sem efeitos colaterais para o paciente”, destacou Queiroz.
Teranóstico – Sua característica e aplicação foram abordadas por Paulo Henrique Rosado, Jovem Liderança Médica da ANM e médico da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo ele, o teranóstico utiliza a integração de nanociência para reunir diagnóstico e terapia, utilizando radiofármacos para prover a imagem e outro radioisótopo para determinar a terapia no alvo identificado pelo exame. Rosado contou detalhes de um estudo, no qual 65,2% dos pacientes com tumores neuroendócrinos tiveram uma sobrevida maior usando a terapia com radiofármaco.
Hoje, a ideia de acessar o corpo humano de forma menos invasiva se tornou uma realidade, mas é algo que vem do século XVIII. De acordo com o médico Marcos Menezes, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, a radiologia intervencionista permitiu que possamos acessar o corpo humano sem invadi-lo, usando a máxima tecnologia e o mínimo de agressividade durante o processo.
Multidisciplinaridade – Existe uma integração de multidisciplinaridade de área: o radiologista se integra e participa de toda decisão cirúrgica e clínica. O profissional saiu da sua sala de laudo e, na prática, faz a integração com o paciente, apontou a especialista Ana Karina, do Hospital de Amor.
A importância das reuniões multidisciplinares em oncologia, cujo objetivo é uma discussão ampla para melhor condução dos casos clínicas e que, necessariamente, deve passar por múltiplos especialistas, foi reiterada na palestra de Manoel Rocha, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Acrescenta-se a esse cenário, a realidade aumentada e a impressão 3D, apontadas como grandes apostas para o setor. A realidade aumentada auxilia em cirurgias, obtendo as dimensões corretas da lesão; e a impressão 3D materializa os resultados dos exames obtidos.
“A tecnologia 3D oferece uma avaliação melhor dessa anatomia complexa, da relação das lesões com as estruturas adjacentes e permite um parecer mais detalhado da sua tática cirúrgica, com melhores resultados, sem complicações e menos tempo de internações” disse o médico Vitor Sardenberg, da Clínica de Diagnóstico por Imagem.
O médico Carlos Buchpiguel, da FMUSP, afirmou que “são momentos fascinantes. É um tempo extremamente entusiasmante para a área de imagens onde nós começamos a trazer divisas, cada vez mais importantes, e auxiliar em desfechos melhores, aumentando a interação entre radiologistas e demais especialistas da área clínica.”
“Essa interação multidisciplinar faz com que passemos a decidir o que é melhor para o nosso paciente. Entender o que o outro está fazendo, mesmo dentro da radiologia, é um mundo gigantesco.” reafirma o médico Daniel Kanaan, Jovem Liderança Médica da ANM.