Na noite da última quinta-feira (11) o Acadêmico José Carlos do Valle apresentou, no Anfiteatro Miguel Couto, a conferência “O Homem, o Médico e o Câncer: Fragmentos de uma História”. O renomado oncologista, que já foi Presidente da Sociedade de Cancerologia do Estado do Rio de Janeiro (1988 a 1991) e da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (1989 a 1991), emocionou confrades, convidados e estudantes com apresentação que retratou alguns dos principais eventos relacionados ao estudo de tumores e neoplasias em geral.
Na abertura dos trabalhos, chamou atenção para o fato de que este não é um esforço para apresentar uma etiologia do câncer, mas sim contar uma história sobre os primeiros registros de tumores e sobre como o desenvolvimento dos estudos acerca destes está intimamente ligado ao desenvolvimento humano e seus desdobramentos. Em um dos primeiros slides apresentados, o Acadêmico realizou uma análise comparativa entre a evolução da espécie humana e o aumento exponencial da concentração de novos compostos químicos na atmosfera terrestre, com destaque para uma primeira inflexão com o advento do homem moderno e também com a descoberta dos primeiros motores a combustão.
Na sequência, abordou os estudos desenvolvidos pelo Dr. Edward Masoro, que desenvolveu um gráfico comparando os índices da longevidade humana. Segundo o médico, atualmente, a extensão da expectativa de vida está intrinsecamente relacionada com o controle das doenças crônicas como o câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, doenças metabólicas, obesidade etc. Segundo o Dr. Masoro, a expectativa de vida média poderia ser estendida até 140 anos, se aliada a uma dieta restrita.
Em seguida, discorreu sobre um dos conceitos mais importantes no desenvolvimento dos estudos oncológicos: a carcinogênese, ou seja, de formação do câncer, que em geral se dá lentamente, podendo levar vários anos para que uma célula cancerosa prolifere e dê origem a um tumor visível. Chamou atenção para o fato de que a carcinogênese pode ter diferentes classificações, de acordo com o agente “iniciador”, podendo ser química, física, genética, inflamatória ou infecciosa. Chamou atenção para fato de que, apesar destas classificações, a carcinogênese é, sobretudo, multifatorial. Discorreu também sobre a classificação estabelecida pelo Dr. James Holand em 1982, que busca categorizar os tumores de acordo com o volume celular:
O Acadêmico afirmou que, de uma maneira geral, a oncologia clínica trata de tumores a partir de gigacitomas, tendo estes uma boa chance de terem um bom prognóstico. No entanto, chamou atenção para o fato de que muitas vezes o paciente só busca atendimento em uma fase mais avançada da doença (em geral teracitomas), o que resulta em desdobramentos menos positivos do ponto de vista do prognóstico.
Na sequência, retomando os diferentes tipos de carcinogênese, abordou alguns episódios históricos marcantes como o lançamento das bombas nucleares de Hiroshima e Nagasaki. Sobre estes episódios, afirmou que se trata do maior exemplo de carcinogênese física, que é relacionada principalmente à radiação. Neste caso, a radiação é responsável por lesar o DNA suscetível, produzindo modificações na sua estrutura, podendo provocar morte ou alterações modificam de maneira permanente os mecanismos normais de controle do crescimento celular. Sobre as explosões, chamou atenção para o fato de que, em Nagasaki, a explosão gerou ondas de calor de 3000 ºC e ventos de até 1005 km/h.
Abordando a carcinogênese química, discorreu sobre o incidente com o navio S.S. John Harvey. Segundo o Acadêmico, em 2 de dezembro de 1943, aviões alemães atacaram o porto de Bari, matando mais de 1.000 pessoas, e afundando 17 navios, incluindo o S.S. John Harvey, que foi destruído causando uma intensa explosão e ocasionando o vazamento do carregamento ilegal de gás mostarda contido no navio. Ao examinar os tecidos coletados das vítimas mortais, médicos da época descobriram que a ação do gás mostarda destrói os glóbulos brancos – descoberta que foi investigada pelos farmacologistas Louis S. Goodman e Alfred Gilman, que usaram um agente relacionado ao gás mostarda, o mustine, como o primeiro tratamento de quimioterapia.
O Dr. José Carlos do Valle prestou homenagem a grandes nomes da oncologia mundial, dentre os quais os Drs. Charles Brenton, Andrew Victor Schally (Honorário Estrangeiro da ANM) e Mario Kroeff, este último tendo sido o primeiro diretor do Centro de Cancerologia no Serviço de Assistência Hospitalar do Distrito Federal no Rio de Janeiro (1937). Ao final de sua apresentação, discorreu sobre das drásticas mudanças ambientais causadas pela ação humana e suas nefastas consequências para a saúde, propondo, então, a inclusão de uma nova categoria de classificação: a carcinogênese humana, usando como exemplo os níveis alarmantes de poluição atmosférica e os desdobramentos do aquecimento global.