HIPOTIREOIDISMO SUBCLÍNICO EM CRIANÇAS

01/08/2016

O hipotireoidismo subclínico (HS) é uma condição definida por dosagem de níveis de TSH acima do valor de referência estabelecido, com valores de T4 e T4 livre dentro da normalidade. Sua prevalência na faixa etária pediátrica é de menos de 2%.

O HS pode ser dividido em dois tipos, dependendo da idade ao diagnóstico: HS neonatal e HS.

Hipotireoidismo subclínico neonatal

Com o aprimoramento do teste de triagem neonatal, foi possível perceber que, nos últimos anos, houve um aumento nos níveis de TSH em recém-nascidos também em casos específicos, como em crianças nascidas prematuramente; aquelas consideradas pequenas para a idade gestacional; com diagnóstico de Síndrome de Down; e em situações especiais como no caso da fertilização in vitro.

É amplamente sabida a importância dos hormônios tireoidianos para o desenvolvimento neurológico da criança, principalmente nos primeiros três anos de vida, sendo de vital importância o rastreio e tratamento de casos de hipotireoidismo congênito, uma vez que o prognóstico está relacionado com a idade de início do tratamento.

A detecção precoce de casos de hipotireoidismo congênito no Brasil é realizada através do programa de triagem neonatal, juntamente com outras doenças metabólicas e hemoglobinopatias. O teste de triagem, conhecido como “teste do pezinho”, consiste na dosagem de TSH por amostra de sangue colhida em papel filtro, preferencialmente entre o quinto e sétimo dia de vida da criança. De acordo com o resultado de TSH, a criança pode ser convocada para coleta de novo TSH e de T4 livre em soro sanguíneo. Neste momento, podem ser identificados os casos de hipotireoidismo congênito e os de HS.

Há na literatura a recomendação de que pacientes maiores de 1 mês que não tiveram os níveis de TSH normalizados, devam receber o tratamento com reposição de hormônio tireoidiano pelos primeiros 3 anos de vida, quando o desenvolvimento cerebral não é mais dependente desses hormônios. Esta recomendação foi desenvolvida sem comprovação científica de sua necessidade, não sendo então, universalmente aceita.

Hipotireoidismo subclínico

Na faixa etária pediátrica, diversas populações apresentam um risco maior do desenvolvimento de HS como as crianças que sofreram irradiação com menos de 9 anos de idade, assim como crianças obesas, crianças com síndrome de Turner ou com Síndrome de Down. Nesta última, a ocorrência de HS é cerca de 10 vezes maior, quando comparada à população geral.

Enquanto no adulto o HS parece evoluir para hipotireoidismo franco, de modo geral, na criança, a condição tende a ser reversível. Fatores de risco para progressão seriam a presença de bócio e níveis elevados de anticorpos anti tireoglobulina, anti-TPO, doença celíaca, valores mais elevados de TSH.

Há relatos de que quando nível sérico de TSH está entre 5,5 e 10 mIU/L, há grande probabilidade de que esta alteração se normalize – mais de 70% dos casos remitem com o tempo – e o tratamento não deve ser iniciado precipitadamente baseado em uma única dosagem de TSH, justificando o acompanhamento deste paciente.

A tireoidite crônica autoimune é uma condição mais comum em crianças mais velhas e adolescentes, havendo associação com síndromes genéticas como a Síndrome de Down e de Turner, além de outras doenças autoimunes como a diabetes tipo 1 e a doença celíaca. É caracterizada pela presença de auto-anticorpos anti-tireoidianos. Nestes casos a HS tende a ter níveis de TSH que se normalizam com o tempo em cerca de 34% dos casos, estabilizam em cerca de 42% e em apenas 24% dos casos há piora de função tireoidiana.

É questionável se HS na faixa etária pediátrica pode causar consequências no desenvolvimento físico ou cognitivo. A maioria das crianças diagnosticadas não terá qualquer tipo de sinal ou sintoma evidente de hipotireoidismo.

Estudos mostram que, quando comparadas com crianças sem alterações de níveis de TSH, crianças com HS não demonstram qualquer tipo de alteração de QI ou de outros testes de inteligência, apenas mostraram-se mais desatentas.

Com relação ao possível comprometimento do crescimento, não foram notadas diferenças entre a estatura ou na densidade mineral óssea de crianças com HS e as com função tireoidiana inalterada. Da mesma forma que não há evidências de que o HS tenha influência no desenvolvimento de obesidade, o que se pode perceber é o aumento de níveis de TSH em crianças e adolescentes obesos, mas que, ao se reduzir o índice de massa corporal (IMC), estes níveis tendem a se normalizar gradativamente.

A única alteração notada quando comparados os grupos de crianças com HS e os controles, foi o aumento do risco cardiovascular, uma vez que crianças com HS apresentaram níveis de LDL maiores, além de sofrerem risco de desenvolvimento de hipertensão, já que há relação entre TSH aumentado e a elevação das pressões sistólica e diastólica.

Impactos notados do tratamento do HS incluem, aumento da velocidade de crescimento em um pequeno grupo de crianças com baixa estatura tratadas com levotiroxina por um ano, assim como em um grupo de crianças com diabetes tipo 1 e HS, entretanto, este efeito não foi encontrado em estudos que avaliaram crianças diagnosticadas apenas com HS e que foram tratadas por 2 anos. Foi constatada também a diminuição da ocorrência de hipoglicemia sintomática em crianças com diabetes tipo 1, tornando-se semelhante à frequência do evento nos casos controle.

Em crianças com mais de três anos de idade, não existem evidências consistentes de benefícios do tratamento. Além disso, em casos em que o TSH se mantenha persistentemente elevado, é recomendada a realização de exame de imagem da tireoide, a fim de investigar possíveis alterações estruturais da glândula.

O acompanhamento regular é indicado, com período variável de acordo com o caso em questão. Pacientes maiores de 3 anos, com autoanticorpos tireoidianos inicialmente negativos, devem ter TSH e anti-TPO monitorizados a cada ano, com aumento deste intervalo se não houver piora. Existe um consenso de que pacientes com TSH maior que 10 mUi/L, pacientes com anti-TPO e anti tireoglobulina elevados e pacientes com bócio, por terem um risco maior de virem a apresentar franco hipotireoidismo, devam ser tratados após um período de acompanhamento.

Autores:

Wallace Sales Gaspar

Paulo Ferrez Collett-Solberg

Eliete Bouskela – Membro Titular da Academia Nacional de Medicina

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