Nos últimos anos os médicos e cientistas se deram conta de que a doença crônica dos rins (quando ela persiste por mais de 3 meses) é mais frequente do que se imaginava, afetando entre 10-13% da população adulta. O mais alarmante, é o fato da doença renal ser silenciosa, produzindo sinais e sintomas apenas quando é tarde demais para tomar-se medidas preventivas. Isto porque podemos viver normalmente até que a perda da função renal esteja acima de 80%. Tal preocupação pela frequência e natureza silenciosa da doença nos rins levou a instituição do Dia Mundial do Rim em 2006, quando anualmente a população é alertada sobre os principais fatores de risco para a doença renal crônica e como detectá-la.
Naturalmente, sendo uma doença silenciosa, a pergunta frequente na comunidade é: estou sob risco de ter uma doença renal? E se presente, o que posso fazer para diminuir/evitar este risco? Hoje sabemos que as duas principais enfermidades que podem levar a lesões dos rins são a diabete mellitus e a hipertensão arterial (ou pressão alta). Além disso, estão sob risco as pessoas que tem história familiar de doença cardiovascular (infarto do miocárdio – coração -, acidente vascular cerebral – derrame – e obstrução de artérias em geral – membros inferiores) e doença renal. Obesos e idosos também estão sob maior risco. Com relação aos idosos, os rins também envelhecem, perdemos em torno de 1% ao ano da função dos rins e começamos a envelhecer a partir dos 35 anos! Logo, ao atingirmos os 80 anos de idade, teremos perdido quase metade da função dos rins. Vale ressaltar que a perda de função dos rins na doença renal crônica não é reversível. Somente podemos modificar os fatores de risco para evitar ou desacelerar a progressão. Por isso é de extrema importância a detecção precoce.
Felizmente dois exames simples e baratos e inclusive disponíveis na rede SUS permitem o diagnóstico preciso de uma enfermidade renal: a CREATININA no sangue e o exame parcial de urina para a detecção de PROTEÍNA e/ou SANGUE na urina.
A creatinina é uma proteína que todos possuímos e que provem do metabolismo muscular normal. A concentração no sangue varia de 0.6-1.2 mg/dL. O valor normal para cada pessoa depende do gênero e idade; mulheres e idosos que tem menos massa muscular, portanto, têm valores mais baixos, o que é normal. Um aumento da creatinina no sangue indica uma diminuição da função de filtração dos rins. Mas além de filtrar e limpar nosso sangue, os rins funcionam como uma barreira, ou seja, não permitem que substancias importantes no nosso sangue sejam eliminadas na urina. Um exemplo são as proteínas que temos no sangue, outro exemplo é a própria ausência de sangue na urina. Um simples exame parcial de urina pode indicar se estamos perdendo proteína e /ou sangue na urina. A presença de um ou ambos elementos na urina indica um problema na barreira de filtração, o que ocorre frequentemente nas nefrites (tipos de processos inflamatórios nos rins que levam à doença renal crônica).
FATORES DE RISCO: Naturalmente aqueles que são portadores de diabetes mellitus deverão manter um controle rígido da glicemia sob orientação médica. Aqueles portadores de hipertensão arterial deverão manter a pressão arterial sob controle, geralmente abaixo de 140/90 mmHg. Atividade física aeróbica 5 vezes por semana, dieta com pouco sal e gorduras saturadas assim como perda de peso (quando em excesso) também são benéficos.
Mas existem outras maneiras de se estar atento e protegendo nossos rins:
MEDICACÕES: evitar uso indiscriminado de medicamentos sem orientação médica.
Anti-inflamatorios: (exemplos: ibuprofeno, naproxeno, diclofenato) uso sem orientação, de maneira prolongada pode lesar os rins, principalmente em quando associada à desidratação (diarreia, vômitos, após atividade física vigorosa).
Anti-ácidos: recentemente fomos alertados para o uso de inibidores da acidez do estomago, os chamados PPIs (inibidores da bomba de prótons) e que geralmente são tomados ao menor sinal de azia (exemplos: omeprazol, esomeprazol, lansoprazol, pantoprazol e rabeprazol). São medicamentos úteis e altamente efetivos, mas devem ser tomados sob orientação médica. Estes medicamentos podem levar a uma doença renal crônica de forma silenciosa.
Antibióticos: alguns são potencialmente tóxicos aos rins e novamente, devem ser tomados sob orientação médica.
Polivitamínicos: O uso de polivitamínicos em excesso também pode lesar os rins. Excesso de vitamina C (aumentando o oxalato na urina o que aumenta o risco de pedras nos rins); excesso de vitamina D e/ou A causando aumento do cálcio no sangue, são alguns dos exemplos.
Contraste a base de iodo ou gadolineo em exames radiológicos: habitualmente exames radiológicos com contraste não trazem maiores problemas a saúde dos rins, mas em algumas circunstancias é preciso estar alerta. Por exemplo, pacientes diabéticos e/ou que já apresentam um déficit de função dos rins, podem ter a função dos rins agravada com o uso de agentes radiológicos a base de iodo. Nestas situações não é que o exame seja contraindicado, mas os médicos tomarão algumas precauções como por ex. maior hidratação do paciente e uso de contraste em menor quantidade. O uso de gadolineo, na ressonância magnética, está contraindicado quando o paciente tiver menos de 30% da função renal.
Não existe evidencia cientifica de que beber mais agua do que a sede nos indica, seja benéfico. Talvez duas condições clinicas sejam exceção: portadores de cálculos renais e na doença renal policística. Os que tem cálculos renais, devem urinar 2 L ou mais por dia e com isto reduzem a chance de novos cálculos em 60%. Vejam, não é a quantidade de liquido que devemos beber, mas sim a que temos que eliminar. Isto significa que a ingestão de líquidos tem que ser maior que 2 L, sobretudo no verão quando perdemos liquido pelo suor, pela respiração.
Nos portadores da doença renal policística, a maior ingestão de liquido inibe um hormônio (vasopressina) que contribui para o aumento do volume dos cistos renais. Vale ressaltar que excesso de sede e micção frequente podem ser sintomas de diabetes não-diagnosticado em adultos jovens.
Embora tenhamos dito que a doença renal crônica é geralmente silenciosa até os estágios finais, há alguns sinais e sintomas que podem servir de sinais de alerta.
• Urinar várias vezes à noite. Os nossos dois rins produzem diariamente 180 litros de uma “pré-urina” e que são absorvidos pelos próprios rins, de forma que eliminamos apenas 1.5 litros em média por dia. A enfermidade crônica dos rins compromete esta capacidade de concentração dos rins, de forma que passamos a urinar mais, sobretudo à noite. Naturalmente existem outras razões para se levantar à noite para urinar como nas pessoas com bexigas com menor capacidade, homens idosos com problemas de próstata, etc., mas é bom ficar atento a este sinal inicial de doença crônica dos rins.
• Urina espumosa ao urinar. Pode ser um sinal de que a urina contenha muita proteína, normalmente ausente. Lembrar que o uso de detergente no vaso sanitário pode causar espuma ao urinar. Na dúvida, um simples exame parcial de urina pode esclarecer.
• Edema (inchaço) nos membros inferiores e/ou ao redor dos olhos. Como nossos rins controlam a quantidade de água e sal no nosso corpo, uma diminuição da capacidade de filtração pode levar a retenção de água e sal, e traduzir-se por edema e hipertensão arterial. Além do mais, nefrites (inflamação dos filtros renais) podem levar a perda acentuada de proteínas na urina (síndrome nefrótica) e causar edema importante dos membros inferiores. Naturalmente existem muitos outros sinais e sintomas de doença crônica dos rins, mas geralmente são mais tardios como palidez, perda de apetite, prurido, etc.
Devemos tornar rotina pensar na saúde dos rins assim como pensamos na saúde do coração. Uma maneira fácil é lembrar que medidas saudáveis ao coração também beneficiam o rim (dieta, exercício, perda de peso, pressão arterial e diabete controlados). Questione seu médico sobre a função dos rins (através do teste da creatinina e parcial de urina) assim como você questiona e discute o colesterol e pressão arterial numa consulta de rotina. Estas medidas simples poderão fazer a diferença entre detectar um problema cedo ou tarde demais para tomar-se medidas de prevenção.
Figura 1. Algumas condutas para manter os rins saudáveis
Autores:
Cristian V. Riella -Research Fellow em Nefrologia Beth Israel Deaconess Medical Center Harvard, Medical School, Boston, USA
Leonardo V. Riella – Assistant Professor of Medicine, Medical Director of Vascularized Composite Allotransplantation, Associate Director of Kidney Transplantation Brigham and Women’s Hospital Harvard Medical School
Miguel C. Riella – Membro da Academia Nacional de Medicina