Patologia extremamente comum, o cálculo na vesícula constitui ainda hoje motivo de discussão nos congressos médicos em relação ao seu tratamento. Levando-se em consideração que 20% da população adulta é portadora de cálculo na vesícula, se decidíssemos operar todos os pacientes com cálculo não teríamos como internar pacientes com outras patologias. Nos Estados Unidos da América aproximadamente 30 a 45 milhões de pessoas são portadoras de cálculo na vesícula. Estratificando-se um pouco mais essa incidência de cálculo vemos que 50% das mulheres com mais de 60 anos tem cálculo de vesícula enquanto que apenas 15% dos homens nessa mesma faixa etária apresentam esse problema. O mais interessante, e que dificulta sobremaneira a decisão do que fazer, é que 80% das pessoas com cálculo na vesícula são assintomáticas.
O risco dessas pessoas se tornarem sintomáticas é de 1% a 2% por ano após a descoberta dos cálculos. Anu Behari e V. K. Kapoor relataram no Indian J Surg. 2012 que 10-25% dos pacientes seguidos por um período de 5 a 15 anos se tornaram sintomáticos.
De uma maneira geral os cálculos biliares são formados por um desequilíbrio entre os sais biliares, lecitina e colesterol. Eles podem ser o resultado de uma concentração maior de colesterol na bile o que acaba acarretando a formação de cristais que agregados formam os cálculos. A mesma coisa pode acontecer se a concentração de bilirrubina for excessiva, como por exemplo o que acontece nos pacientes com cirrose ou se a vesícula não se esvazia corretamente. Os distúrbios da motilidade da vesícula são mais comuns no paciente idoso, salvo algum fator determinante. A maioria dos cálculos são de colesterol sendo alguns deles mistos.
Algumas condições favorecem a formação de cálculos na vesícula e devem ser identificadas pelos médicos por ocasião da consulta. A perda brusca de peso especialmente nos pacientes que foram submetidos a operações com essa finalidade é uma delas e bastante atual face ao número crescente dessas operações em nosso meio. Além dessa gravidez, obesidade, hipotireoidismo, hipertrigliceridemia, cirrose hepática e algumas hemoglobinopatias como esferocitose hereditária, thalassemia e anemia falciforme. Pacientes transplantados que fazem uso por tempo prolongado de ciclosporina apresentam também uma incidência maior de litíase.
O principal sintoma indicativo de colelitíase é a dor. Na maioria das vezes a dor se localiza no hipocôndrio direito podendo se irradiar para o ombro direito, região subescapular, ou para as costas. Sua intensidade é variável e usualmente dura de 1 a 5 horas sendo que na maioria das vezes sua duração não ultrapassa 3 horas. Frequentemente seu início está associado a ingestão de alimentos gordurosos. Não rara vez o paciente que apresenta cólica biliar se queixa de já sentir há algum tempo plenitude pós prandial especialmente após excessos alimentares. Apesar de sua localização ser preferencialmente no quadrante superior direito, o paciente pode se queixar somente de dor na região epigástrica ou na região dorsal. Não é raro que quem tem colelitíase já tenha apresentado vários episódios de dor de pequena intensidade após às refeições, e que foram atribuídas pelos mesmos a má digestão. Devido a sua apresentação atípica o diagnóstico de cálculo na vesícula nem sempre é suspeitado de início pelo médico. Se a dor persistir por mais de cinco horas ou piorar com o passar do tempo o diagnóstico de colecistite aguda se impõem ( inflamação da vesícula ).
Ao exame o paciente apresenta dor à palpação do hipocôndrio direito. Em alguns casos, especialmente no paciente idoso, a dor pode estar ausente o que torna o diagnóstico mais difícil. Nesse caso o exame clínico do paciente pode ser normal em relação a via biliar. O diagnóstico de cólica biliar ou colecistite é feito muitas vezes no idoso por um cuidador que informa aos parentes algum aspecto anormal no comportamento do mesmo que merece ser investigado.
Os exames de imagem mais utilizados são: radiografia do abdome, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética e a colecintigrafia. O exame radiológico do abdome apesar de estar disponível na maioria dos hospitais tem uma acuidade pequena pois só diagnostica os cálculos radiopacos que não ultrapassam 15%. Pode ser mais útil no diagnóstico da colecistite aguda. Na doença litiásica assintomática associada a vesícula em porcelana esse método pode ser útil. Hoje foi praticamente substituído pela ultrassonografia que tornou-se o método de escolha para diagnóstico da colelitíase. Tal fato se dá por ser um método que não irradia, fácil execução e com uma acuidade acima de 95%. Através dele podemos também determinar no paciente ictérico se a icterícia se deve ou não a obstrução coledociana. Apresenta como desvantagem o fato de ser operador dependente. A tomografia computadorizada, a ressonância nuclear magnética e a cintigrafia são menos usados e sempre solicitados pelos médicos quando o caso é mais complexo ou há a necessidade de uma informação complementar.
Vários são os fatores que devem ser levados em consideração no tratamento do cálculo na vesícula sendo o principal deles a sintomatologia do paciente. Cálculos sintomáticos com raras exceções são indicação para o tratamento cirúrgico.
No cálculo assintomático outras variáveis são analisadas para que se possa estabelecer se o doente deve ou não ser operado. Com a introdução da cirurgia laparoscópica esse paciente tem sido operado com mais liberalidade. Em se tratando do sexo feminino o tratamento cirúrgico é indicado com uma maior frequência, especialmente na jovem ainda em fase de procriação. Nos idosos e em situações especiais, fora do escopo dessa publicação, a indicação cirúrgica deve ser cuidadosamente analisada. De uma maneira geral, doentes com história de câncer na família, doenças hematológicas, cálculos com mais de 1 cm, presença concomitante de cálculo e pólipos, e pacientes com dificuldade de ir ao hospital por não terem nenhum perto, devem ser operados. O tratamento cirúrgico pode ser realizado por cirurgia convencional, laparoscópica ou robótica. A decisão sobre qual o mais indicado é uma prerrogativa médica.
Fig. Vesícula com cálculo
Autor:
Octavio Pires Vaz – Membro Titular da Academia Nacional de MedicinaAgenda