A calculose da vesícula biliar é uma das afecções mais frequentes do aparelho digestivo, sendo que a incidência dos cálculos (litíase biliar) varia de acordo com uma série de fatores, tais como idade, sexo, grupos populacionais dentre outros.
Na literatura de língua inglesa é comum relacionar a calculose vesicular com quatro Fs:
a) Female (mulher)
b) Forty (quarenta)
c) Fat (obeso)
d) Fertile (gestação)
Assim o exemplo de portador de cálculo seria mulher, acima de quarenta anos, obesa e que teve várias gestações. No entanto, os cálculos podem ocorrer em qualquer idade, são pouco frequentes em jovens e admite-se que acima de quarenta anos, 15 a 20% da população tem cálculo na vesícula, sua ocorrência aumenta com o avançar da idade, sendo que até 40% da população com mais de 60 ou 70 anos pode apresentar colelitíase (cálculos / pedras na vesícula).
Nos Serviços de Emergência (Pronto Socorro) a doença calculosa da vesícula e suas consequências representam a afecção cirúrgica não traumática mais comum até mesmo mais frequente que a apendicite aguda.
É muito comum mulheres submetidas a exame ultrassonográfico do abdome para avaliação ginecológica serem diagnosticadas com cálculo na vesícula, sem nunca terem apresentado sintomas relacionados a presença das pedras. O mesmo pode ser observado em homens examinados também por exame de ultrassom, para a pesquisa de cálculo do rim ou avaliação da próstata.
Existem inúmeros fatores de risco para o desenvolvimento de cálculos na vesícula, alguns já foram citados:
a) sexo feminino
b) idade acima de quarenta anos
c) obesidade
d) múltiplas gestações
e) alterações hormonais
f) doença inflamatória intestinal
g) dieta
h) dislipidemias (colesterol aumentado)
i) cirrose hepática
No entanto, a maioria dos portadores de pedra na vesícula (80%) não tem nenhum sintoma e com frequência surge a dúvida: operar ou não operar? Quando operar? O que fazer?
Há décadas esta questão tem sido objeto de discussão em Congressos e Eventos Médicos.
Hoje, graças aos avanços nos métodos diagnósticos é muito fácil a identificação de cálculo na vesícula o que tem determinado o aumento da população de pessoas com esta condição.
Quando o indivíduo tem sintomas decorrente da presença dos cálculos não existe dúvida. Ele deve ser operado para a remoção da vesícula (a chamada COLECISTECTOMIA). Esta operação é uma das mais frequentes (talvez a mais frequente) nos serviços de cirurgia geral, sendo que nos Estados Unidos são realizadas mais de 800.000 por ano.
Quais são os sintomas provocados pela pedra ou pelas pedras na vesícula? Vale lembrar que elas podem ser única ou múltiplas, grandes, pequenas ou simplesmente um “barro” ou areia biliar. Suas manifestações clínicas são:
1. a mais comum é a dor geralmente em cólica, na parte superior do abdome a direita, na região do fígado onde a vesícula se localiza. A dor varia de fraca (desconforto abdominal) até forte intensidade, obrigando por vezes a procura de atendimento médico.
Com frequência ocorrem vômitos com aspecto de bile, que sugere para o leigo, que ele está tendo uma cólica de fígado, mas que na realidade é uma cólica biliar (da vesícula), decorrente da mobilização do cálculo que pode levar a obstrução da vesícula, com frequência transitória determinando uma melhora rápida com o uso de medicação analgésica. Também, após os vômitos pode haver alívio parcial dos sintomas.
2. a história de que a cólica da vesícula é provocada pela ingestão de alimentos gordurosos (carne, feijoada, pizza, frituras, etc.) nem sempre é verdadeira, pois a cólica pode surgir após refeições não copiosas e até mesmo após um período de jejum.
No entanto, embora seja considerada por muitos como um “mito” frequentemente há referência de abuso alimentar.
3. a presença de dor associada a febre sugere inflamação ou infecção da vesícula determinando a COLECISTITE AGUDA que é uma situação de urgência, levando o doente a procurar o Pronto Socorro e exige a necessidade de um tratamento imediato (operação).
4. quando os cálculos são pequenos eles podem migrar da vesícula para o canal biliar (colédoco) provocando obstrução, traduzida por icterícia (olhos amarelados) e que se for acompanhada de febre, representa uma outra forma de infecção (da bile, não da vesícula) que também demanda internação e uma pronta remoção do cálculo.
5. uma outra consequência dos cálculos pequenos é também sua eliminação da vesícula para o canal da bile, determinando uma Pancreatite Aguda (inflamação do pâncreas), que por vezes pode se apresentar de forma grave colocando em risco a vida do doente.
Assim, estas manifestações podem ser frequentes, repetidas, relacionadas ou não com a alimentação ou então ocorrer de forma esporádica não sendo valorizadas e, portanto, não levando a procura de auxílio médico.
Estudos realizados acompanhando por até dez anos grupo de portadores de cálculos de vesícula, verificaram que os sintomas e as complicações ocorrem em até 20%, mostrando que a maioria evolui sem problemas.
Assim, se fossemos operar todos os portadores de cálculos, estaríamos operando uma porcentagem expressiva de indivíduos que não apresentariam sintomas ao longo da evolução.
Então, quando operar o indivíduo com cálculo assintomático?
Como a retirada da vesícula em pessoas hígidas é um procedimento de baixo risco, alguns cirurgiões indicam sistematicamente a operação. Hoje, esta orientação é mais forte ainda em função da operação ser realizada por Laparoscopia, com um curto tempo de permanência hospitalar (24 a 36 horas) e uma pronta recuperação com uma rápida volta as atividades habituais.
Nem todos concordam com esta orientação e deve-se avaliar o risco das complicações dos cálculos e o risco da operação.
Existe um consenso de que em algumas situações está indicada a retirada da vesícula de indivíduos assintomáticos com cálculos, e são as seguintes:
a) quando o indivíduo é muito jovem e tem a expectativa de uma longa vida.
b) quando os cálculos são muito pequenos (microcálculos) e que podem determinar as complicações graves já relatadas.
c) quando a vesícula é calcificada, chamada de “vesícula em porcelana”. A calcificação é creditada aos cálculos biliares e admite-se existir uma associação (incerta) com câncer na vesícula. É uma apresentação pouco frequente (a vesícula em porcelana)
d) quando o indivíduo viaja muito e para lugares distantes e sem uma infraestrutura de saúde adequada. Há risco de uma eventual ocorrência de complicação sendo então a melhor orientação a prevenção, removendo a vesícula.
e) nos indivíduos diabéticos (alguns clínicos não concordam) tendo em vista a possibilidade de infecção que é de evolução mais complexa e de tratamento mais difícil nesta situação.
Por outro lado, é importante salientar que a ocorrência de sintomas e complicações dos cálculos em indivíduos idosos, exigindo uma intervenção operatória de urgência é acompanhada de taxa significativa de morbidade e mortalidade. Então surge uma outra questão: não é melhor operar um idoso que está bem, sem doenças limitantes, que tem um reduzido risco operatório, do que esperar uma complicação que exigirá uma operação de urgência com as suas consequências?
É definido que não se opera um doente quando o risco da operação é maior do que o risco da doença. Não se deve operar na existência de doenças limitantes, seja cardíaca, pulmonar, renal ou de outra natureza. Por outro lado, caso ocorra uma complicação dos cálculos neste grupo de doentes, será obrigatório um cuidado maior no tratamento. Felizmente hoje temos recursos terapêuticos menos invasivos (punção ou drenagem guiada por tomografia retirada de cálculos por endoscopia, etc.) que podem ser utilizados nesta situação.
Um outro aspecto que merece comentários é uma discutível associação entre cálculos biliares e câncer na vesícula. Até 70% dos doentes que tem câncer de vesícula tem cálculo. Óbvio que o inverso não é verdadeiro. Surge então a pergunta: os cálculos são fatores predisponentes para a ocorrência de câncer na vesícula? Não há uma comprovação ou resposta apoiada em trabalhos e dados científicos, mas este aspecto muitas vezes é considerado por cirurgiões para indicar a retirada da vesícula.
Em conclusão, o tratamento deve ser individualizado. O médico deve expor ao doente todos os aspectos relacionados as intercorrências e ao tratamento da doença calculosa, afim de definir a melhor orientação.
Autor:
Samir Rasslan – Membro Titular da Academia Nacional de Medicina