Uma das instituições científicas mais ativas do país, a Academia Nacional de Medicina realizou nesta quinta-feira (31) Simpósio aberto a toda a comunidade visando discutir Violência Social sob diferentes perspectivas. Organizado pelo Acadêmico e Secretário Geral da instituição, Dr. José Galvão-Alves, o Simpósio apresentou o tema em três abordagens: sociológica, jurídica e da Saúde. O tradicional anfiteatro Miguel Couto recebeu estudantes, residentes e profissionais de diversas áreas; além deste fato, os estudantes puderam acompanhar o Simpósio ao vivo, através das plataformas de transmissão do site da instituição.
A apresentação do advogado criminalista Nélio Machado abordou “O Papel da Justiça”, na qual afirmou que é preciso desfazer a imagem da Justiça como solução para as mazelas sociais, ressaltando que não é papel do Judiciário combater crimes. No Brasil, destacou a existência de uma crescente e permanente desigualdade social, um sistema carcerário ineficaz e desumano e uma formação muitas vezes deficiente dos juízes no país, chamando atenção para o fato de que muitas vezes o juiz desconhece a realidade que julga. “É como um médico que nunca tenha passado por um hospital público”, afirmou.
Apontou para uma grave crise relativa à imagem do defensor; o advogado, que outrora foi símbolo da resistência e do combate aos excessos do poder do Estado, hoje é visto como um “aproveitador”. Criticou também a chamada “espetacularização da justiça”, associada à íntima relação cultivada pelos agentes da Justiça com a imprensa, resultando no fato de que muitas vezes o juiz torna-se refém daquilo que é considerado “noticiável”, deixando de lado princípios básicos do Direito como a presunção da inocência do réu, a preservação de sua dignidade e de sua família, entre outros.
Na conclusão de sua apresentação, o advogado alertou para a existência de uma inversão de valores na prática do Direito, principalmente com a valorização das chamadas delações. Segundo Nélio Machado, a delação é um instrumento investigativo falho, que valoriza o denuncismo em detrimento da apresentação de provas, tornando a Justiça mais próxima dos linchamentos e do punitivismo medieval.
A pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública e coordenadora científica do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, Maria Cecília de Souza Minayo, apresentou palestra intitulada “A Origem da Violência”, destacando que a violência em suas diversas naturezas e tipologias afeta a saúde individual e coletiva, diminuindo a qualidade de vida e evidenciando a necessidade de uma atuação de prevenção e tratamento de base interdisciplinar, multiprofissional, intersetorial e socialmente engajada. Ressaltou que o Brasil está em quinto lugar do ranking de violência da América Latina e registrou uma taxa de mortalidade por homicídio de 29,1/100.000 em 2014 (cerca de 59.000 pessoas), estando entre os sessenta países com as taxas mais elevadas do mundo.
Em seguida, fez um levantamento das mortes por violência, fazendo uma análise estrutural ao longo do tempo. Segundo os dados apresentados, as quantidades de mortes violentas são previsíveis, seja ao longo do tempo, seja com relação às áreas ou países mais violentos. A palestrante reforçou que a previsibilidade, apesar de alarmante, também possibilita a prevenção e trabalhos a longo prazo. Também chamou atenção para o fato de que os jovens e os menos favorecidos, em todos os períodos históricos, constituem as vítimas preferenciais e os atores mais frequentes das mortes.
Ao final de sua apresentação, a Dra. Cecilia Minayo apresentou os fatores de grande impacto considerados responsáveis pela diminuição da violência, afirmando que estes devem ser correlacionados para o entendimento dos chamados casos “de sucesso”: a história cultural, a economia, a política, a vida familiar, comunitária e, também, a escolha individual nos casos de delinquência.
Abordando “Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)”, o Dr. William Berger (UFRJ) afirmou que apesar de o TEPT ser a resposta humana mais grave ao estresse, esta é apenas uma dentre tantas possíveis respostas patológicas a um evento traumático. Na sequência, apresentou organograma diferenciando trauma de TEPT, demonstrado que neste último é possível observar algumas características próprias como sintomas intrusivos (memórias involuntárias, pesadelos, flashbacks), comportamento evitativo (esquiva de estímulos externos ou internos associados ao trauma), cognições negativas (amnésia dissociativa, anedonia, culpa patológica e isolamento) e hiperexcitabilidade (irritabilidade, hipervigilância, insônia).
Por fim, apresentou as formas de tratamento focadas na farmacoterapia e na psicoterapia. Acerca da primeira, ressaltou que esta deverá ser usada nos casos de recusa ou incapacidade de fazer psicoterapia focada no trauma; quadro clínico instável; resposta insatisfatória a psicoterapia e nos casos onde são identificados graves sintomas dissociativos que podem ser exacerbados pela psicoterapia. No entanto, de forma geral, o tratamento psicoterápico focado no trauma deve ser a primeira intervenção em pacientes diagnosticados com TEPT.