MEDICINA PERIOPERATÓRIA EM PACIENTE OBESO: O QUE HÁ DE NOVO?
A obesidade é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como índice de massa corporal (IMC) ³ 30 kg/m2, tem atingido taxas alarmantes mundialmente com projeções para 2025 de cerca de 2,3 bilhões de adultos com sobrepeso, e mais de 700 milhões obesos. Dentre as crianças e adolescentes, estes números podem acometer mais de 75 milhões.
Anatomicamente, a obesidade é caracterizada pela presença de excesso de tecido adiposo. A distribuição da gordura deve ser considerada, no homem é mais concentrada no tórax (padrão andróide) diferente das mulheres, que apresentam maior acúmulo no abdomen e quadril (padrão ginecóide). Fisiologicamente, é uma condição pró-inflamatória sistêmica, onde pacientes frequentemente apresentam grande número de comorbidades. Neste contexto, cada vez mais, pacientes obesos precisam ser submetidos a procedimentos diagnósticos e/ou terapêuticos onde a anestesia se faz necessária.
A abordagem ao paciente obeso deve ser diferenciada. É fortemente recomendado o aconselhamento, disponibilização de todo tipo de esclarecimento e informação pré-operatória pertinente que contribua ao processo educativo, aumente a confiança e adesão ao tratamento e ainda reduza a ansiedade. Na avaliação pré-anestésica, além da meticulosa análise do histórico clínico e exame físico, fazem-se necessárias informações sobre as medicações em uso e suas potenciais interações com os fármacos utilizados em anestesia.
Até o momento, não há um protocolo específico de exames pré-operatórios para pacientes obesos que serão submetidos à cirurgia. Tal avaliação deve ser direcionada aos órgãos e sistemas que apresentam sinais ou sintomas alterados. O objetivo destes exames é conhecer melhor os sistemas, de forma a contribuir no manejo per e pós-operatório. Um número excessivo de exames nem sempre é eficiente em relação a demanda de tempo e recursos financeiros.
Dentre as principais alterações associadas a obesidade, destacam-se aquelas relacionadas aos sistemas cardio-vascular e respiratório, incluindo a presença de distúrbios respiratórios do sono e a síndrome metabólica (SMet). Cada entidade apresenta sintomas não-específicos ou silenciosos que podem influenciar todo o processo do cuidado perioperatório. Dado o potencial impacto da SMet no desfecho perioperatório, é importante reconhecer e diagnosticar esta condição. A avaliação deve focar em cada componente da síndrome (obesidade, hipertensão, hiperglicemia e hiperlipidemia) e ainda identificar estratégias para otimização pré e peroperatória bem como melhor resultado pós-operatório. Estudos direcionados a determinar melhorias no manejo perioperatório que possam reduzir o risco associado à SMet serão de grande contribuição.
Cabe ressaltar o impacto da obesidade no sistema respiratório, predispondo a complicações respiratórias perioperatórias, dentre elas atelectasias e hipoxemia moderada a grave, acarretando maior esforço respiratório, redução nos volumes respiratórios e complacência pulmonar.
O manejo perioperatório deve ser baseado em aspectos específicos relacionados ao paciente obeso, tais como as alterações anatômicas nas vias aéreas dificultando a manutenção da perviedade durante a anestesia ou sedação ou os bloqueios neuroaxiais/loco-regionais. O anestesiologista necessita antecipar eventuais situações de risco no sentido de adotar medidas para preveni-las e otimizar o desfecho, dentre elas, é fundamental o estabelecimento de estratégias de manejo da via aérea eficazes para prevenção de atelectasias.
No que concerne a prevenção da aspiração de conteúdo gástrico e o período de jejum pré-operatório, estudos recentes não demonstraram diferenças no volume residual gástrico, pH ou tempo de esvaziamento gástrico após líquidos ou refeições semi-sólidas entre obesos e não obesos. Atualmente, as Sociedades de Anestesiologia recomendam a ingesta de líquidos claros até 2h e sólidos até 6h antes da indução anestésica em indivíduos saudáveis. O condicionamento pré-operatório com carbohidratos através da ingesta de bebidas iso-osmolar 2 a 3h antes da indução anestésica contribui para a atenuação do desenvolvimento de resistência insulínica pós-operatória, a manutenção da massa corporal magra e não levou a aumento de complicações relacionadas a broncoaspiração.
No planejamento da anestesia há de se considerar que o acesso venoso pode ser mais difícil. A determinação de doses seguras e adequadas de agentes anestésicos e fármacos merece destaque. As alterações fisiopatológicas relacionadas a obesidade tais como: o aumento do débito cardíaco, dos compartimentos corporais de massa magra, e gordurosa, do compartimento extra-celular e potenciais alterações na taxa de filtração renal, afetam a distribuição e eliminação dos fármacos. Também podem estar alterados a ligação proteica e a concentração plasmática das proteínas. Idealmente, as doses dos fármacos devem ser escalonadas em relação ao peso e composição corporal, gênero, idade e condição clínica. Diferentes estratégias incluem a gradação pelo peso corporal total ou peso corpóreo magro ou ainda o peso ideal.
A farmacocinética dos agentes inalatórios sobretudo sevoflurano e desflurano não parece ser influenciada pela obesidade. A absorção do desflurano pelo tecido adiposo é minimizada por apresentar menor solubilidade sangue-gordura. O menor coeficiente de partição sangue-gás confere perfil cinético mais rápido tanto para indução como para recuperação da anestesia.
O xenônio, atua como antagonista dos receptores N-metil D-aspartato (NMDA), possui o menor coeficiente de partição sangue-gás tornando a indução e recuperação extremamente rápidas. Estudo clínico que utilizou xenônio em pacientes obesos mostrou significativa redução no consumo de agentes opióides, potente efeito analgésico incluindo possível modulação a longo prazo das vias da dor. A anestesia com xenônio foi capaz de modular a produção de citocinas pró-inflamatórias em pacientes obesos submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos.
A escolha da melhor técnica anestésica (inalatória ou venosa) para anestesia geral em pacientes obesos ainda é tema de debate. O objetivo deve ser indução e recuperação rápida e segura, estabilidade per-operatória de modo a reduzir taxas de complicações respiratórias relacionadas à obesidade.
Os agentes intravenosos administrados de forma contínua (anestesia intravenosa total – TIVA) oferecem níveis plasmáticos constantes e melhor controle hemodinâmico nos pacientes obesos. O propofol é o fármaco intravenoso mais frequentemente utilizado para indução e manutenção de anestesia, bem como sedação. Outro fármaco que vem ganhando destaque é a dexmedetomidina, um agonista alfa-2 adrenérgico altamente seletivo, de propriedades sedativa e analgésica que reduz o consumo de outros agentes anestésicos. Por não provocar depressão respiratória, a dexmedetomidina vem sendo utilizada como adjuvante em inúmeras situações clínicas, incluindo a população de pacientes obesos. Até o momento, não há evidências claras que favoreçam um agente ou técnica em detrimento do outro (a). A escolha do agente e técnica pode diferir conforme o caso e em função das propriedades de cada fármaco.
A literatura carece de informações acerca da seleção adequada dos agentes anestésicos em pacientes obesos, o julgamento clínico caso a caso prevalece.
Neste artigo abordamos os aspectos mais relevantes relacionados aos cuidados perioperatórios do paciente obeso. As controvérsias, ainda existentes, serão consolidadas a luz de novas evidências. Para acompanhamento do tema, grupos de estudos de sociedades médicas disponibilizam um razoável número de recomendações em suas páginas oficiais (Tabela 1).
Tabela 1 – Páginas das Sociedades para manejo do paciente obeso cirúrgico |
http://www.asahq.org (inclui guias para manejo perioperatório da apneia obstrutiva)http://www.sobauk.com(Sociedade para Anestesia Bariátrica e Obesidade: SOBA) |
http://iasmen.org(Associação Internacional para Nutrição e Metabolismo Cirúrgico) |
http://abeso.org.br(Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade) |
http://sbcbm.org.br (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica) |
Autores:
Luciana Boavista Barros Heil – M.D. M.Sc.
Patricia Rieken Macêdo Rocco – Membro Titular da Academia Nacional de Medicina