Ambiente e saúde: desafios sem fim

20/05/2021

O desafio da mídia e da comunidade médica científica é mostrar para a população a estreita correlação entre ambiente e saúde. Segundo o médico e ambientalista Gilberto Natalini, 96% reconhecem a existência de problemas ambientas, mas apenas 27% declararam-se dispostos a mudar hábitos individuais e coletivos para preservar o ambiente.

Gilberto Natalini, convidado da sessão científica sobre Ambiente e Saúde, promovida pela Academia Nacional de Medicina, no dia 20 de maio de 2021, lembrou que as cinco epidemias vivenciadas no mundo, nos últimos anos, foram motivadas por agressões à natureza. Ele ressaltou ainda  que a poluição ambiental mata 7% da população mundial todos os anos. Segundo Natalini, os médicos recebem, a cada dia, em seus consultórios, as consequências do efeito de um dos seis tipos de poluição (ar, água, solo, visual, sonora e climática). Por outro lado, nem sempre os pacientes têm consciência da estreita relação entre poluição e agravos na saúde. “Por isso, precisamos mostrar essa faceta de forma ampliada, incluindo os alunos inscritos em cursos de medicina.”

A live contou com abertura do presidente da Academia Nacional de Medicina, Rubens Belfort Jr, que apontou a importância dessa temática para toda sociedade e ressaltou sua esperança para que o assunto seja debatido por outras instituições e atitudes sejam tomadas para mudanças dos rumos atuais. A organização do evento foi dos acadêmicos Paulo Saldiva e Marcello Barcinski.

Segundo Saldiva, a poluição ambiental não agride só o corpo, agride a dignidade humana, pois o consumo da água ou do ar poluído não é uma escolha. Não temos como controlar. Sendo assim, a discussão abordada é um tema médico, científico, econômico, cultural e também de outras áreas correlatas.

Os convidados ainda abordaram a inalação da poluição doméstica com a queima de lenha, lixões, carvão, querosene e as consequências para os indivíduos, provocando danos em pessoas saudáveis e outras que já sofrem de males como doenças pulmonares, diabetes e hipertensão.

A obstetra Rossana Pulcinelli Francisco, outra convidada, abordou os efeitos da poluição em gestantes. Os efeitos na gestação ainda são mais preocupantes, pois podem afetar diretamente à formação do feto e à saúde da mãe. Segundo ela, a inflamação sistêmica da mãe, provocada por poluentes, pode influenciar o crescimento da placenta, aumentando o risco de morte fetal.

O simpósio ainda contou com apresentações de diversos convidados como a professora Maria de Fátima Andrade, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, que abordou os tipos de poluentes atmosféricos e suas fontes. A professora Mariana Veras, da Faculdade de Medicina da USP, palestrou sobre poluição atmosférica e interação entre tecidos e órgãos. Durante sua apresentação, a mesma afirmou que pessoas não fumantes, mas que vivem em cidade grande, sofrem consequências pulmonares: é como se elas fumassem cinco cigarros por dia. A poluição veicular sobre a saúde humana foi discutida pelo médico Ubiratan de Paula Santos, do Incor, e o acadêmico e professor da UFRJ, Walter Zin, abordou os efeitos da poluição do ar em modelos animais.

Em um segundo bloco de discussões, o pesquisador Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, apresentou dados sobre a queima de biomassa afirmando que do Rio Grande do Sul até o Amapá sempre há focos de queimadas em nossos biomas. É um problema nacional, que é para além da Amazônia, causando impacto tanto ao ambiente como na saúde. De acordo com ele, em setembro de 2020, o país chegou a ficar com 60% de sua área coberta por fumaça oriunda das queimadas. Outra convidada foi a pesquisadora Sandra Hacon, da Fiocruz, que apresentou os efeitos dessa queima sobre a saúde humana, segundo ela 1/4 das mortes por doenças circulatórias e 1/3 das mortes por AVC, câncer e doenças respiratórias são causadas pela exposição à poluição.

“Novos desafios: mudanças climáticas e urbanização” foram temas debatidos no terceiro módulo do simpósio. José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, abordou o estado atual e perspectivas em mudanças climáticas. Segundo ele, todos os aspectos do clima relacionado à saúde têm avançado, já passou da época em que mudança climática era assunto apenas para climatologistas. Na atual conjuntura, o trabalho é em equipe e isso envolve também profissionais da saúde.

Por fim, uma mesa redonda com os acadêmicos Marcello Barcinski, Paulo Saldiva e Walter Zin e a repórter especial do Jornal O Globo, Ana Lúcia Azevedo, debateu de aspectos filosóficos a rotineiros impostos pelas questões ambientais e sanitárias.

O acadêmico Barcinski falou sobre conflitos de interesse do Homo sapiens e a falta de inteligênciaquando se agride o ambiente, discorrendo ainda sobre humanismo e o Universo; as tensões evolutivas e os perigos da extinção da humanidade, até então, salvas pela tecnologia.

O acadêmico Zin lembrou os estragos provocados pelas grandes civilizações no decorrer do século XIX, exemplificando com a colonização africana e a catástrofe para a Humanidade. O médico Paulo Saldiva, também acadêmico, compartilhou o horror que sente pelo atual cenário imposto com a pandemia pela covid-19 e lembrou de ações exitosas que vivenciamos como, por exemplo, da adoção da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco.

– O Brasil conseguiu reduzir o número de fumantes de 30%, na década de 80, para cerca de 10% da atual população brasileira, porque houve um controle da propaganda, além de outras medidas, o que não vemos hoje em ações para o controle da epidemia da covid.”

A jornalista Ana Lúcia Azevedo, do Globo, provocou os acadêmicos com perguntas sobre o papel dos médicos e pesquisadores em relação ao negacionismo da ciência, nesse momento, que ela considera como a “tempestade perfeita”. O que mais pode ser feito tanto pela imprensa como pela comunidade científica para conscientizar a sociedade em relação às crises ambientais e sanitárias foi a tônica dos questionamentos e reflexões.

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