Acadêmico Celso Ramos destaca prevenção e controle da febre amarela

30/01/2025

A febre amarela continua sendo uma preocupação de saúde pública. A Academia Nacional de Medicina, por meio do Acadêmico Celso Ramos, destaca a importância da vigilância, especialmente com o aumento de casos registrados no Brasil.

Leia a declaração do especialista na íntegra:

A partir de 1849, o Brasil sofreu múltiplas epidemias de febre amarela. O desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz, em 1937, e a erradicação do transmissor urbano, Aedes ægypti no Brasil, na década de 1940, levaram ao desaparecimento da endemia, que ficou desde então restrita a áreas silvestres, na Amazônia e no Centro Oeste.

A febre amarela ocorre em dois ciclos epidemiológicos distintos. O ciclo urbano se dá por transmissão envolvendo o homem e o mosquito Aedes ægypti: este transmite o vírus ao homem, que, em sequência, infecta outro mosquito. A necessidade de nova alimentação de sangue pela fêmea do Aedes transmite a doença a outra pessoa, e assim sucessivamente. Deste modo, a espécie humana atua como amplificadora da transmissão viral.

Este ciclo Aedes – Homo sapiens – Aedes não ocorre no Brasil desde 1942, mas em ambientes silvestres a transmissão do vírus é mantida através de um ciclo que envolve diversas espécies de primatas não humanos (PNH) e mosquitos arborícolas, dos gêneros Sabethes e Hæmagogus. O ciclo silvestre é mosquito – PNH – mosquito. O homem é apenas acidentalmente infectado quando se encontra em uma área onde esteja ocorrendo transmissão, e é um hospedeiro terminal do vírus, não o transmitindo a outro mosquito. Aqui, os PNH é que atuam como amplificadores da disseminação viral.

Assim, enquanto a febre amarela urbana ocorre com frequência em epidemias, a silvestre ocorre através de casos isolados na espécie humana, ainda que um aumento de incidência em um dado espaço de tempo possa caracterizar uma epidemia, tecnicamente falando.

A diferença fundamental entre as duas formas epidemiológicas da febre amarela não é o local onde ocorrem, mas, basicamente, qual é o mosquito transmissor. Aedes ægypti, febre amarela urbana. Hæmagogus ou Sabethes: febre amarela silvestre. Com a larga disseminação do Aedes ægypti no Brasil, após a sua reintrodução no país no último quarto do Século XX, há um risco permanente de reaparecimento do ciclo urbano.

A partir de meados da década passada, o vírus amarílico reemergiu da região Centro-Oeste, de onde nunca se ausentara, e vem se dispersando por todas as demais regiões, inclusive a Região Sul, que não era área endêmica, no passado. Esta ressurgência parece estar relacionada a uma nova linhagem do vírus amarílico; na década atual, outra linhagem surgiu no Centro Oeste, e vem se espalhando pelo Sudeste, enquanto, no Sul, ainda predomina a linhagem surgida em 2014.

Entre 2014 e 2023 foram detectados 2.304 casos em humanos, com 790 mortes. Estes são em geral prenunciados pela verificação de mortes de PNH, e o país promove uma vigilância epidemiológica dessas ocorrências: todo encontro de um macaco morto deve ser notificado às autoridades locais de saúde, independentemente do estado de conservação da carcaça, ou da causa aparente da morte: no período 2014/2023, foram confirmados 2.216 eventos em PNH.

O período de maior transmissão é entre o final da primavera e o começo do outono, ou seja, no período mais quente do ano. Entre julho de 2023 e junho de 2024, ocorreu doença humana nos estados do Amazonas, Pará, Roraima e, fora da Amazônia, em Minas Gerais e em São Paulo, tendo havido detecção do vírus em PNH no Rio Grande do Sul.

No período atual (2024/2025), houve eventos confirmados em PNH em SP, MG, RR e TO. Além disso (e até 27 de janeiro), foram detectados oito casos em humanos, na região da Serra da Mantiqueira, entre MG (Itapeva, no sul do estado) e SP: Socorro (3) Joanópolis e Tuiuti (1 caso cada), e outro com origem ainda em investigação. Os três municípios paulistas listados encontram-se na região de Bragança Paulista. Este fato causa grande preocupação, pois a transmissão está se dando em área com densidade demográfica significativa, com grande circulação de pessoas por lazer ou turismo, e que é atravessada por rodovias de grande tráfego.

Uma modelagem epidemiológica realizada pelo Departamento de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, e usando modelos de favorabilidade aponta a probabilidade atual de uma expansão da transmissão na direção norte, através da Mantiqueira, pela divisa dos estados de MG e RJ. A mesma modelagem indica risco de ocorrência da doença em SC, RS, PR, DF, GO, DF, MS e MG, em ordem decrescente de probabilidade.

Realisticamente, a prevenção da febre amarela silvestre se faz pela vacinação. A vacina faz parte do calendário básico de vacinação do Programa Nacional de Imunização (PNI). Crianças devem receber duas doses, a partir dos seis meses de idade, com reforço aos quatro anos. A população entre 5 e 59 anos deve ser imunizada com dose única. Quem já tenha sido vacinado uma vez contra a febre amarela não necessita de qualquer reforço, ou dose adicional. Pessoas com 60 anos ou mais podem ser imunizadas, a critério médico.

E todo macaco morto deve ser notícia.

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