A Sessão do dia 13 de outubro abrigou mais um importante Simpósio da Academia Nacional de Medicina, abordando a Humanização na Medicina, organizado pelos Acadêmicos Mario Barreto Corrêa Lima e Ricardo Cruz.
O Simpósio, que lotou o Anfiteatro Miguel Couto, contou com o recurso da interatividade, que conectou o público presente com as aulas apresentadas. Ao final de cada etapa do Simpósio, o público pôde responder a uma série de perguntas objetivas, que traziam consigo algumas opções de respostas. De acordo com as respostas obtidas em cada uma, o Acadêmico Ricardo Cruz interagiu com o público, apresentando dados e provocações.
O Dr. Abram Eksterman, Honorário da ANM, apresentou “Humanidades na Prática Médica: A Ética na Educação Médica”, afirmando que é preciso compreender o ser humano como um sistema complexo, entendido em dimensões biológicas, culturais e psicológicas interdependentes. Humanizar a prática médica seria, portanto, estabelecer vínculos com a biografia do paciente e com as características que o definem e que constroem a relação terapêutica.
Com relação à Ética dentro da relação clínica, destacou que esta é o código que torna possível a relação humana, no que chamou de “exercício de um homem frente a outro homem”. A Medicina do futuro seria, portanto, aquela que além de tratar do manejo da doença, trataria também do manejo do doente, fazendo uso terapêutico da relação médico- paciente, de maneira multidisciplinar e integrada ao currículo do Ensino Médico.
A aula do Prof. Luiz Roberto Londres, da Clínica São Vicente (RJ), intitulada “A História da Medicina: Uma Reflexão Atual sobre o ‘Ser Humano’”, destacou os múltiplos processos pelos quais a prática médica passou. Segundo o médico e filósofo, a supervalorização do conhecimento científico e tecnológico afastou o médico de seus pacientes, tornando-o um “escravo” da tecnologia. Ressaltou que a mercantilização da Medicina faz com que tanto as Escolas e Instituições Médicas tenham fins prioritariamente lucrativos, “desumanizando” a Medicina.
Na conclusão de sua palestra, o Prof. Luiz Roberto Londres afirmou que o caminho para a “reconstrução” da Medicina começa no Ensino Médico, onde é preciso aprender que o paciente não é somente um corpo que precisa ser cuidado – há também uma pessoa que demanda cuidados. Ressaltou que é preciso repensar as “fórmulas prontas” e os protocolos, chamando atenção para a ausência do pensamento beneficente e social da Medicina, atrelado ao descaso dos governantes com a Saúde Pública.
Discorrendo sobre “A Voz do Paciente e a Bioética da Comunicação”, a Dra. Sara Kislanov destacou que comunicar é, além de transmitir, conectar. Segundo a psicóloga, nossa primeira voz é o choro, que pode ser entendido como a primeira confirmação de que sem o outro, não é possível sobreviver. Aplicada à Medicina, a Bioética da Comunicação busca o “falar” do paciente, não só por meio das palavras ditas, mas também por seus gestos e até mesmo no silêncio. Em seguida, exibiu trecho do filme “Fale com Ela”, do cineasta Pedro Almodóvar, que discorre sobre os efeitos da comunicação com o paciente.
Ao final de sua apresentação, a Dra. Sara Kislanov ressaltou que, apesar de as tecnologias contemporâneas nos colocarem cada vez mais em comunicação, elas paradoxalmente nos distanciaram. A importância deste tipo de discussão na área médica também foi colocada em pauta, tendo em vista que ter a capacidade de ouvir o outro é também uma forma de praticar um “agir terapêutico”.
Em outro momento marcante, a Dra. Claudia Burlá apresentou palestra intitulada “Cuidados Paliativos: Ciência e Proteção ao Final da Vida”, apresentando a Resolução 1.931 do Conselho Federal de Medicina, que versa que, nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico deverá propiciar aos pacientes os cuidados paliativos apropriados. Segundo a geriatra, cuidados paliativos são uma modalidade da Medicina que não é regida por protocolos, mas por princípios, ressaltando que cuidar é escutar a demanda da vida.
Após a leitura do Juramento do Paliativista, redigida pela Dra. Maria Goretti Sales Maciel, a Dra. Claudia Burlá encerrou sua apresentação destacando que os cuidados com pacientes com doenças terminais são uma questão de Saúde Pública, e que é preciso encarar os cuidados ao fim da vida como uma exigência da boa prática profissional, sendo considerado o “padrão ouro” da assistência.
O Acadêmico Ricardo Cruz abordou “Relação Médico-Paciente colocada em Xeque”. Sobre o psicanalista húngaro Balint, ressaltou que sua obra “O Médico, Seu Paciente e a Doença” examinou com profundidade a relação médico-paciente, destacando que a insuficiência na formação psicológica dos médicos foi sempre sofrida pelos pacientes. O Acadêmico destacou trecho de livro do Dr. Luiz Roberto Londres, que afirma que a relação médico-paciente é o cerne de toda a atividade médica, uma vez que possui profundo significado para todo o processo médico, seja diagnóstico, seja terapêutico.
A série de TV norte-americana “House” foi apresentada como a contramão das ideias apregoadas por Balint, uma vez que apresenta um médico introspectivo, agressivo e irônico, que tinha por princípio não estabelecer relação com seus pacientes. Segundo o Acadêmico, as características de House expressam a necessidade do médico de curar a si próprio; todavia, ressaltou que enquanto House é um médico fictício cuja personalidade estereotipada serve como um parâmetro do que “não fazer”, os conceitos apregoados por Balint são reais e seus grupos de discussão tornaram-se referência no meio acadêmico.
O Acadêmico José Camargo abordou “A Interface entre a Medicina e a Literatura”, salientando que uma formação humanística é de importância vital para uma boa relação médico-paciente. Afirmou que, apesar dos avanços técnicos e tecnológicos, é possível identificar um certo saudosismo por parte dos pacientes com os “médicos de antigamente” que, mais do que médicos, eram entendidos como amigos dos pacientes. Falando sobre o papel da palavra na prática médica, afirmou que sublimar sentimentos por meio das palavras é um dom daqueles que curam, logo, dedicar parte da formação do médico à arte das palavras (literatura) não é fato a ser ignorado.
Na conclusão de sua palestra, o Acadêmico fez uma homenagem a Mário Quintana, citando uma de suas célebres frases “Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”, destacando a tendência entre as Escolas Médicas de incluir disciplinas de Literatura em sua grade.