Na última quinta-feira, 1º de outubro, aconteceu na Academia Nacional de Medicina a conferência “Autopsia Virtual como Instrumento de Pesquisa e Ensino: O Caso de D. Pedro I”, proferida pelo Dr. Paulo Saldiva, Titular de Patologia da USP, apresentado pelo Presidente Francisco Sampaio.
A partir da análise de casos históricos, a apresentação mostrou que os avanços tecnológicos permitiram o desenvolvimento de novas práticas que, através da autopsia virtual, representam uma excelente alternativa para que sejam superados os problemas enfrentados pela autopsia convencional, notadamente a dificuldade de autorização para sua execução, a baixa remuneração aos profissionais e a judicialização da medicina.
O conferencista destacou que mais da metade das pessoas que morrem no mundo não têm atestado de óbito, sendo que o número de autopsias médico-legais, principalmente em casos de morte traumática, vem crescendo desde a década de 1980, em virtude do aumento da violência, em detrimento dos casos de morte natural. Diante deste cenário, a evolução dos métodos de imagem tornou a “autopsia virtual” uma possibilidade mais viável, servindo de base para o controle de qualidade da assistência médica e para a melhoria no aprendizado de médicos praticantes e de estudantes de medicina.
Doenças que se tornaram mais prevalentes neste período de poucas autópsias e que afetam órgãos onde a retirada de fragmentos torna-se difícil em vida (como a doença de Alzheimer e a aterosclerose, p.ex.), poderiam ser melhor compreendidas pela realização de autópsias. Neste contexto, o grupo de pesquisas da USP, o único a realizar autópsia virtual no país, está desenvolvendo estudos comparando autópsias minimamente invasivas – realizadas pelo uso de técnicas avançadas de imagem (tomografia e ressonância magnética) e biópsias percutâneas – com autópsias convencionais. A ideia básica é a de facilitar a realização de autópsias através de procedimentos menos invasivos. Para tal, foi instalado no serviço de Patologia um tomógrafo de 16 canais e o primeiro aparelho de ressonância magnética de 7 Tesla da América Latina. Através da Plataforma de Imagens na Sala de Autopsia (PISA) da Universidade de São Paulo, uma estrutura montada com investimentos da ordem de US$ 12 milhões, o Prof. Paulo Saldiva e sua equipe têm o objetivo de aplicar a “autopsia virtual” como nicho de ensino e pesquisa.
Em comparação com a autopsia convencional, a virtual, além de ser minimamente invasiva, transforma a emissão dos atestados de óbito em um processo mais ético e humano. A autopsia virtual também torna estas experiências menos agressivas às famílias, estimulando um maior número de adesões a estes procedimentos de verificação de óbitos, com um consequente enriquecimento de bancos de dados.
Foi apresentado o projeto responsável pela realização da autopsia virtual com tomografia computadorizada, com a intenção de descobrir as causas das mortes, nos corpos de D. Pedro I e das Imperatrizes Da. Maria Leopoldina (1ª esposa) e Da. Amélia de Leuchtenberg (2ª. esposa), que ficam no Museu da Independência, em São Paulo. No caso de Maria Leopoldina, foram encontrados resquícios do sistema nervoso central e foi descoberto que, ao contrário do que era dito pela história (que teria caído da escada durante uma discussão com D. Pedro I), faleceu em virtude de uma infecção puerperal, possivelmente por um aborto retido. O corpo de D. Pedro I, por sua vez, encontrava-se em uma situação precária, com fraturasna clavícula e em todas as costelas do lado esquerdo. Além disso, um de seus pulmões não funcionava e o outro foi acometido por uma tuberculose, que teria levado a um quadro de insuficiência cardíaca; diferentemente da crença de que o Imperador falecera de sífilis. Por fim, no caso de Da. Amélia de Leuchtenberg, foi encontrado um corpo parcialmente mumificado, com órgãos preservados internamente, por ter sofrido um processo de saponificação. A autopsia mostrou que houve diversas calcificações metastáticas, possivelmente decorrência de um quadro de insuficiência renale apresentava ainda uma escoliose considerável.
Bastante elogiada, a apresentação do Prof. Paulo Saldiva levou à Academia Nacional de Medicina não apenas um tema médico, mas também, uma aula de história, e gerou um animado debate que envolveu Acadêmicos, médicos e estudantes.
O palestrante Prof. Paulo H. M. Saldiva
Bancada Acadêmica