Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 2,3 bilhões de pessoas no mundo estão com sobrepeso ou obesos o que representa de 2 a 7% do orçamento de saúde. E, de acordo com o Ministério da Saúde, uma a quatro pessoas está obesa no país, isso significa 41 milhões de pessoas no Brasil, relatou o médico Paulo Andrade Lotufo, da Universidade de São Paulo (USP), durante o simpósio “A epidemia da obesidade no século XXI”, promovido pela Academia Nacional de Medicina (ANM), no dia 22 de julho de 2021.
– A obesidade na infância é um grande marcador epidemiológico de desarranjos de problemas cardiometabólicos na fase adulta. No Brasil, um estudo evidenciou o aumento da obesidade entre as mulheres na área rural e nas mulheres negras de baixa escolaridade. A obesidade é um problema de saúde pública, alertou Lotufo.
O médico Fabio Trujilho, da Faculdade de Tecnologia e Ciências, de Salvador, reforçou essa visão. Para ele, “a obesidade é um problema global e epidêmico que merece tratamento precoce e atenção aos números e complicações. Não devemos ficar inertes a esse cenário.”
Trujilho afirma que hoje vivenciamos uma disponibilidade de alimentos e bebidas açucaradas baratas, palatáveis, altamente calóricos e em grandes porções. Além do estresse econômico e social, que proporcionam uma forma de comer emocional”. Segundo ele, há uma janela de espera de seis anos entre a percepção do indivíduo sobre a obesidade e a busca por tratamentos. Precisamos ter uma abordagem mais precoce a doença.
O professor Amélio Godoy-Matos, da PUC-RJ, foi outro convidado do evento e apresentou estudo sobre o magro metabolicamente gordo que é o indivíduo que não é obeso, mas apresenta gordura visceral no abdômen, pouca gordura nos membros inferiores e desenvolve os mesmos riscos de ter doenças metabólicas como a diabetes e síndromes coronarianas. É o que ele chama de magro por fora e obeso por dentro. O médico Andrei Sposito, da Unicamp, reforçou a mensagem que diminuição do peso corporal pode reduzir o risco de doenças cardiovasculares.
Doenças associadas – O evento foi coordenado pelo secretário geral da ANM, Carlos Eduardo Brandão e pela médica Cíntia Cercato da USP. Brandão, que é professor Titular da Escola de Medicina e cirurgia da UniRio e Adjunto da UFRJ, falou sobre a Doença Hepática Gordurosa Não Alcóolica (DHGNA), que se trata de um acúmulo de gordura no fígado em pessoas que não fazem consumo de bebidas alcóolicas. Segundo ele, de 10 a 40% da população mundial possuem a DHGNA. Em pacientes obesos, essa incidência cresce e passa a ser de 50 a 75%.
Outro alerta destacado durante o simpósio foi feito pelo médico Marcio Mancini, da USP. Mancini explicou que os pacientes obesos correm mais risco se infectados pela covid-19, pois o vírus penetra no tecido adiposo, aumentando a carga viral e o tempo de infecção. “O indivíduo obeso tem mais inflamação e mais riscos de desenvolver tromboses. As comorbidades da obesidade produzem quadros mais graves, mais internações em UTIs e mais manifestações clínicas”.
A saúde mental na epidemia da obesidade foi outro aspecto debatido durante o evento. Para a professora Maria Edna de Melo, também da USP, a obesidade não implica somente nos fatores metabólicos, a saúde mental é fortemente atingida. Além dos transtornos alimentares sofridos pela população infantil, pesquisas relatam a distorção da autoimagem, o atraso escolar e a depressão como fatores impactantes na vida de crianças e jovens obesos. Somado a isso, existe o bullying. “O surpreendente é que o bullying, na fase infantil, acontece na escola e também é uma agressão que ocorre dentro da própria família”.
Para Melo, a obesidade impacta muito a vida da criança, uma vez que é responsabilizada por ter a doença. A “gordofobia” ainda é permitida até em piadas. O preconceito está enraizado na sociedade e na mídia. E a mudança no sistema alimentar é uma saída preventiva. Desde a merenda escolar até o abandono das comidas ultraprocessados e palatáveis.
O simpósio contou ainda com a participação dos palestrantes acadêmicos Carlos Alberto Mandarim-de-Lacerda e Eliete Bouskela e comentários dos acadêmicos Aderbal Sabrá, Mônica Gadelha e Rui Maciel. O acadêmico Sérgio Novis relembrou que “há 75 anos, ser gordo era sinal de saúde, fazia parte do comportamento social. A mãe considerava que o filho gordinho era saudável, ficando preocupada quando o filho era magro e insistia em bolo e gelatina para engordá-lo. A mudança de comportamento só ocorreu quando as comorbidades começaram a aparecer.”
Tratamentos – “Do ponto de vista não farmacológico, a base do tratamento para todos os pacientes, que sofrem de obesidade, é sempre a modificação do estilo de vida. Com restrição calórica, aumento da atividade física, monitoramento e verificações sobre aderência à dieta e a exercícios”, complementou a médica endocrinologista Cintia Cercato, uma das organizadoras do evento.
Em termos de cirurgia, o médico Marco Aurélio Santo, da USP, de 2 a 4% da população brasileira possuem obesidade mórbida. “Não existe compartimento no nosso organismo que não seja diretamente acometido pela obesidade. São comprometimentos cardiovasculares, ginecológicos, digestivos, respiratórios, dermatológicos, entre outros.” Segundo ele, é no aspecto psicossocial que a obesidade mostra sua fase mais crítica com uma dificuldade no relacionamento social, problemas profissionais e transtornos emocionais.”
Os princípios para uma indicação cirúrgica bariátrica são baseados nos seguintes conceitos: insucesso do tratamento clínico, quando a perda de peso é insuficiente e não sustentada; e comorbidades, quando há diminuição das reservas clínicas ou compromete a qualidade e expectativa de vida, esclarece o Santo.
A íntegra da sessão científica pode ser revista no link https://www.anm.org.br/simposio-a-epidemia-da-obesidade-no-seculo-xxi-22-de-julho-de-2021-parte-i/