Nascido em 9 de julho de 1878 no município de Oliveira (Minas Gerais), Carlos Chagas se tornaria um dos nomes mais proeminentes da história da medicina não só no Brasil, mas em todo o mundo. Com uma trajetória brilhante e dedicada à Saúde Pública, a vida e a trajetória do Acadêmico foram celebradas em Simpósio na Academia Nacional de Medicina, organizado pelos Acadêmicos Marcello Barcinski e Walter Zin, além do Dr. Evandro Tinoco (Sociedade Brasileira de Cardiologia).
Após a alocução de abertura do Presidente, o Dr. Evandro Tinoco discorreu sobre a importância de iniciativas como a deste Simpósio, que mantém viva a memória de um dos mais ilustres cientistas brasileiros. Na sequência, fez o lançamento oficial do Dia de Alerta da Insuficiência Cardíaca, cujo dia escolhido (9 de julho) coincide com o dia de nascimento do patrono da ação, Carlos Chagas. Sobre a escolha do Acadêmico como patrono da data, ressaltou que sua contribuição para a cardiologia e para a Insuficiência Cardíaca foi definitiva e de importância, representando seu nome marcante para essa nobre causa em nosso país.
No primeiro modulo do Simpósio, dedicado a discutir a Doença de Chagas, a primeira apresentação ficou a cargo do Acad. Wanderley de Souza, que discorreu sobre “O Parasita, o Vetor e as Formas de Transmissão”, traçando um panorama sobre o que se sabe hoje e o que se resta descobrir acerca do assunto. Destacou que, apesar de os casos agudos de Doença de Chagas serem relativamente raros, a maior parte dos registros destes casos está associado à infecção por via oral – ressaltando aqui a ingestão de sucos e frutas, em especial o açaí, que teve sua produção fortemente aumentada nos últimos anos.
Sobre o parasita, afirmou que o Trypanossoma cruzi é um complexo, apontando que existem inclusive discussões que apontam para a definição de mais de uma espécie, o que comprova a heterogeneidade genética deste parasita. Ressaltou ainda que, nos últimos anos, foram feitos avanços consideráveis na forma de estudo tanto do comportamento do parasita quanto de sua estrutura, chamando atenção para ferramentas que permitem realizar a reconstrução tridimensional das células infectadas de maneira automatizada.
Na sequência, o Dr. Salvador Rassi (Universidade Federal de Goiás) fez apresentação acerca da “Doença de Chagas no Brasil de Hoje” ressaltando que, na américa latina, há cerca de 6 milhões de pessoas infectadas pelo Trypanossoma cruzi, com estimativa de cerca de 1,2 milhões de infectados no Brasil, constituindo um grave problema de saúde pública. Sobre os casos agudos da doença, apresentou dados do Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, que registrou 1.190 casos entre os anos de 2012 e 2016. Chamou atenção, ainda, para o aumento no número de casos a partir de 2014, dando destaque à transmissão por via oral, que, dos 374 casos registrados em 2016, correspondia a quase 80% casos.
Na conclusão de sua apresentação, apontou ações que podem ser implementadas para a melhora do panorama da Doença de Chagas do país, ressaltando a importância da investigação de casos suspeitos de transmissão (principalmente via oral), a promoção de imediata notificação de casos suspeitos de Doença de Chagas em até 24h e o estabelecimento de mecanismos de controle de transmissão vetorial.
Abordando “A História do Transplante Cardíaco na Doença de Chagas”, o Dr. Edimar Bocchi (Universidade de São Paulo) ressaltou que a indicação do transplante cardíaco para o tratamento da miocardiopatia chagásica apresenta importantes controvérsias, chamando atenção para a limitação existente quanto o baixo número de publicações que tratem do assunto. Por meio da apresentação de estudos realizados nos últimos anos, apontou que a infecção pelo Trypanossoma cruzi associada ao uso de drogas imunossupressoras é um fator de risco para o comprometimento do enxerto. Com a evolução dos estudos, observou-se uma redução na taxa de mortalidade dos pacientes submetidos ao transplante, associada à redução da incidência de reativação da doença de Chagas.
Na conclusão de sua apresentação, afirmou que o transplante cardíaco é uma importante alternativa para tratamento da insuficiência cardíaca por doença de Chagas. No entanto, ressaltou que o sucesso no desenvolvimento desta técnica só foi possível graças à ousadia e a persistência dos médicos e pesquisadores brasileiros, que tornaram o procedimento possível, apesar dos diversos desafios identificados ao longo do processo, ressaltando que os procedimentos estão em constante aperfeiçoamento.
Na sequência, apresentando aula sobre “Últimos Avanços para o Tratamento da Doença de Chagas: a Estratégia da Drugs for Neglected Diseases iniciative (DNDi)” a Dra. Bethania Blum de Oliveira (DNDi) discorreu sobre o trabalho desenvolvido pela instituição, ressaltando que o trabalho da DNDi tem foco em pacientes adultos com a forma crônica indeterminada da doença, afirmando que os tratamentos disponíveis atualmente são os mesmos desde a década de 70.
Segundo a Dra. Bethania, o desafio atual consiste em melhorar os tratamentos disponíveis e apostar no descobrimento de novas entidades químicas e medicamentos, usando como exemplo a formulação pediátrica para o tratamento para Doença de Chagas disponibilizada em 2011.
Com apresentação intitulada “Carlos Chagas em Niterói: a Parte Esquecida da História de um Gênio”, a Dra. Áurea Grippa apresentou os resultados dos estudos desenvolvidos sobre a passagem de Carlos Chagas pelo antigo Hospital Marítimo de Santa Izabel (HMSI), localizado próximo à Baía da Jurujuba. Segundo a Dra. Áurea Grippa, a maior parte dos registros só foi recuperado graças às anotações do Dr. Camillo Terni, renomado higienista que foi contemporâneo de Carlos Chagas no HMSI. Ressaltou, ainda, que o trabalho desenvolvido no hospital recebeu diversas condecorações pela excelência do tratamento oferecido aos pacientes.
No encerramento de sua conferência, a Dra. Áurea Grippa chamou atenção para o fato de que, ainda que a passagem de Carlos Chagas por Niterói tenha sido breve, estes registros referem-se ao primeiro emprego de Carlos Chagas e sua “última parada” antes da empreitada junto a Oswaldo Cruz em 1905, reforçando o título de Carlos Chagas como o primeiro cientista translacional do Brasil.
Na segunda etapa do Simpósio, a Dra. Simone Petraglia Kropf (Fiocruz) fez apresentação acerca de “Carlos Chagas e a História da Descoberta de uma Nova Doença”. Inicialmente, abordou as relações existentes entre o desenvolvimento científico no Brasil e o avanço da Saúde Pública, muitas vezes estabelecendo uma relação causal visando a solução de problemas concretos. Sobre o trabalho de Carlos Chagas na Doença de Chagas, chamou atenção para o fato de que, pela primeira vez, um único cientista foi capaz de descrever a manifestação clínica de uma doença, seu vetor e agente etiológico, o que reforça o caráter translacional do trabalho desenvolvido por este vulto da medicina brasileira. Além deste fato, Carlos Chagas também estava atento aos determinantes sociais da saúde e da doença, incluindo em suas recomendações ações voltadas para a melhoria das condições de moradia da população de Lassance e associando a pobreza ao surgimento de moléstias.
Na conclusão de sua conferência, a Dra. Simone Kropf ressaltou que o legado de Carlos Chagas extrapola os limites da pesquisa científica e do desenvolvimento acadêmico, inaugurando e reforçando um movimento que deu mais visibilidade a populações antes negligenciadas, às quais eram negadas condições básicas para a construção de uma vida digna. Tendo isso em mente, apresentou os trabalhos associados ao dia 14 de abril, no qual é celebrado o dia mundial da Doença de Chagas.
Abordando “Doença de Chagas: a Polêmica na ANM e as Especulações sobre o Prêmio Nobel”, o Dr. Paulo Gadelha (Fiocruz) analisou as discussões ocorridas na Academia Nacional de Medicina, destacando como principais personagens o próprio Dr. Carlos Chagas, Miguel Couto, Júlio Afrânio Peixoto, Clementino Fraga e Paulo de Figueiredo Parreiras Horta. Sendo o Dr. Paulo Gadelha, as discussões estavam centradas em três eixos: do saber (paternidade da descoberta, contribuições de outros pesquisadores etc.); do poder (Instituto de Manguinhos e a Saúde Pública) e da ética (apropriação da descoberta, ocultação de trabalhos de colaboradores e criação de uma “epidemia imaginária”). Além deste fato, também estava em discussão a imagem do Brasil que, despontando como uma nação receptora de imigração, poderia sofrer com a associação de “um país de doentes”.
Também foram abordadas as especulações sobre o Prêmio Nobel, que ganharam força após o grande destaque recebido por Carlos Chagas na Exposição de Dresden (1911) e da concessão do Prêmio Schaudinn em 1912. No entanto, após análise dos registros históricos, apresentados, o Dr. Paulo Gadelha ressaltou que não existem evidências que suportem a hipótese de que a oposição enfrentada por Carlos Chagas na Academia Nacional de Medicina tenha sido um dos motivos para ele não ter recebido a premiação. Destacou, ainda, a não existência de documentos que comprovem a especulação de que o Comitê Nobel tenha se dirigido a instituições brasileiras e que essas tenham desaconselhado a premiação.