Em sua última Sessão, marcada pelas homenagens aos Acadêmicos Clementino Fraga Filho e Ivo Pitanguy e a eleição de dois novos Membros Titulares, a Academia Nacional de Medicina encontrou ainda espaço para, mais uma vez, destacar-se no cenário científico brasileiro como uma das instituições mais comprometidas com a propagação do conhecimento médico. O Dr. Joseph Tector, da Universidade do Alabama, foi recebido da instituição para proferir palestra intitulada “Xenotransplantation: State of the Art”. Após breve introdução feita pelo Acadêmico Silvano Raia, o convidado subiu ao púlpito do Anfiteatro Miguel Couto para apresentar as pesquisas que estão sendo desenvolvidas a respeito do xenotransplante: a transferência de células, tecidos e órgãos entre diferentes espécies. Apesar de não ser uma técnica nova, o xenotransplante voltou ao interesse dos pesquisadores, tendo em vista que a oferta de órgãos humanos não corresponde a demanda cada vez maior por transplantes – estima-se que cerca de 60% dos pacientes morrem na fila de espera.
O Dr. Joseph Tector é um cirurgião de transplante de fígado com experiência clínica em transplantes multiviscerais. Graduou-se da Universidade de Indiana em 1987, com doutorado pela Universidade de Saint Louis (1992). Completou seu treinamento de cirurgia geral na Universidade McGill em Montreal, em 1999. É membro da American Society of Transplantation, Transplantation Society, American College of Surgeons, International Xenotransplantation Association, dentre outras. Seu laboratório de xenotransplantes criou suínos com um cruzamento favorável para o transplante humano. Com mais de 100.000 pessoas esperando na lista de espera de transplantes de rim nos Estados Unidos, a pesquisa do Dr. Tector tem como objetivo reduzir a escassez de órgãos, modificando geneticamente rins de modelos suínos para os seres humanos.
Discorrendo sobre seus estudos, o conferencista afirmou que anticorpos xenorreativos causam rejeição, constituindo a principal barreira para os xenotransplantes. Segundo o médico, a engenharia genética tem o potencial de eliminar a barreira de anticorpos; todavia, existem importantes obstáculos a este processo, como a falta de disponibilidade de células-tronco embrionárias em porcos e o fato de que as ferramentas que dispomos hoje para a edição de genomas são primitivas frente ao nível de complexidade exigido nestes processos. A ligação do anticorpo xenorreativo aos antígenos continua a ser o principal obstáculo à manutenção do órgão transplantado; sendo assim, afirmou que a identificação e deleção de xenoantígenos em porcos doadores deve continuar a ser o foco da pesquisa em xenotransplantes.
Sobre os primeiros estudos desenvolvidos, em 1989, deu destaque aos trabalhos do Dr. Roy Calne, que afirmava que, para o sucesso dos xenotransplantes, seria necessário “tornar uma reação discordante em uma reação concordante”. Mereceu destaque também o trabalho do Dr. Thomas E. Starzl, que afirmava que a rejeição de órgãos transplantados advindos de xenotransplantes nada mais eram que uma expressão extrema do que poderia acontecer com alotransplantes, ou seja, transplante entre indivíduos geneticamente diferentes de uma mesma espécie, por exemplo, transfusão de sangue e transplante cutâneo.
Abordou o uso de CRISPR/Cas: uma ferramenta de edição de genoma que pode ser usada para eliminar xenoantígenos em porcos doadores, visando criar um cruzamento favorável. Além disso, esta tecnologia permitiu criar animais doadores com cruzamentos favoráveis para uma parcela considerável da lista de espera por transplantes de rim.
Na conclusão de sua palestra, apresentou os pré-requisitos para os testes clínicos, como o desenvolvimento de ensaios para testar suínos doadores para potencial patógenos zoonóticos e o desenvolvimento de instalações para “produzir” porcos apropriados para servir como doadores de rim. Ao final, afirmou que os dados pré-clínicos são promissores para a consideração de um caminho clínico para o xenotransplante, sendo esta mais alternativa terapêutica para estes pacientes – o que ganha ainda maior importância se levarmos em consideração que o gasto com o programa de diálise e transplante renal no Brasil situa-se ao redor de 1,4 bilhões de reais ao ano.
O Prof. Rodrigo Vianna, da Miami University, Miller Schoolof Medicine, líder em transplante de múltiplos órgãos e Membro Correspondente Estrangeiro da ANM, também estava presente, e a pedido do presidente Francisco Sampaio, fez os comentários finais sobre a conferência e em conclusão afirmou “que o futuro já chegou” e tem convicção que entre 3 e 5 anos o xenotransplante já será uma realidade para uso clínico.