A Sessão Ordinária do dia 30 de março da Academia Nacional de Medicina discutiu atualização em doenças hepáticas.
O Dr. Edmundo Lopes (UFPE), Presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, fez apresentação acerca da “Esquistossomose Hepatoesplênica”, chamando atenção para o fato de que a esquistossomose mansônica ainda possui alta incidência em 19 estados, principalmente no nordeste brasileiro. Após a apresentação de um breve histórico, discorreu sobre a transmissão, destacando que, com o passar dos anos, tornou-se possível observar uma “urbanização” da doença. Apresentou a evolução das formas clínicas da doença, afirmando existir uma importante relação entre a resposta imunológica, a carga parasitária e a evolução da doença para suas formas mais graves.
Acerca do diagnóstico, a diversidade de métodos foi abordada pelo médico, destacando a ultrassonografia, a endoscopia e a utilização de marcadores séricos. Ao final de sua comunicação, apresentou um histórico dos tratamentos propostos para hemorragia digestiva, ressaltando o uso de beta-bloqueadores, a cirurgia de retirada do baço (esplenectomia) e a ligadura de varizes por meio da endoscopia.
Abordando “Doenças Autoimunes”, o Dr. Fernando Portella destacou que as Hepatopatias Autoimunes podem ser classificadas em Colestáticas ou Hepatíticas. Além disso, chamou atenção para a existência das chamadas Síndromes de Superposição. Passou, então, a apresentar os aspectos clínicos da colangite biliar primária, da colangite esclerosante primária e da hepatite autoimune. Sobre esta última, destacou que seus agentes desencadeantes ainda não estão totalmente estabelecidos.
Na conclusão de sua palestra, abordou os diferentes tipos de tratamento para cada uma das doenças apresentadas, ressaltando a importância no desenvolvimento contínuo de técnicas do transplante hepático, uma vez que suas indicações (doença avançada, sintomas intratáveis, insuficiência hepática fulminante, etc.) apontam para um grupo extremamente vulnerável.
Com palestra intitulada “Cirrose e suas Complicações”, o Dr. Ângelo Alves de Mattos (FFFCM) salientou que a taxa mortalidade decorrente de doenças hepáticas é seriamente subestimada: as informações apresentadas apontam para mais de 170.000 mortes por ano; dentre estas, a cirrose se destaca como maior causa de internações e de mortes. Além deste fato, a evolução da doença se caracteriza por uma redução drástica da qualidade de vida do paciente, uma vez que, à medida que a doença avança, se multiplicam as complicações dela decorrentes.
Apontou que o abuso do álcool é a principal causa da cirrose, uma vez que causa danos em seus tecidos vitais que comprometem o funcionamento do fígado. Também são causas de cirrose as hepatites B, C e autoimune, além do uso de determinados medicamentos.
A Dr. Edna Strauss (USP) discorreu sobre “Hipertensão Portal”, afirmando que a pressão é determinada por dois fatores: fluxo e resistência. A hipertensão portal é tida como uma complicação séria da cirrose, contribuindo para algumas das complicações das hepatopatias crônicas. O fígado é o principal sítio de resistência ao fluxo venoso portal e age como uma rede vascular distensível de baixa resistência. A pressão venosa portal é normalmente baixa (5-10 mmHg), sendo a hipertensão portal definida como superior a 10 mmHg. Ressaltou, ainda, que a medida do gradiente de pressão portal reflete a gravidade da doença hepática.
Com conferência intitulada “Doença Gordurosa Não Alcoólica do Fígado (DHGNA) ”, o Professor Edson Parise (UNIFESP) destacou que esta é a doença hepática persistente mais comum nos países ocidentais, com uma prevalência estimada de 20%. A presença de doença hepática gordurosa não alcoólica acarreta um risco aumentado de morte relacionada à doença cardiovascular e doença hepática. Discorreu sobre a esteato-hepatite não alcoólica, que é forma mais avançada da doença hepática gordurosa não alcoólica que leva à formação de fibrose, e pode resultar em progressão para a cirrose.
A respeito do tratamento para a esteatose, chamou atenção para o fato de que não existe um tratamento específico estabelecido para a mesma – o tratamento consiste em modificações do estilo de vida, incluindo uma dieta saudável e aumento do exercício físico.
O Acadêmico Carlos Eduardo Brandão Mello deu início à porção final do Simpósio com sua apresentação a respeito de “Hepatite B”, destacando importantes dados a respeito da doença: estima-se que mais de 2 bilhões de pessoas têm/tiveram a infecção por VHB; destas, de 50 a 400 milhões desenvolveram a forma crônica da doença. Ressaltou, ainda, que dentre os infectados pelo vírus B, de 25 a 40% desenvolvem insuficiência hepática, cirrose ou carcinoma hepatocelular (CHC). Desta forma, afirmou que os principais objetivos do tratamento por supressão viral prolongada são a redução na necroinflamação, fibrose e cirrose; redução da descompensação hepática, das taxas de CHC e da mortalidade.
Sobre a evolução do tratamento, ressaltou que o objetivo é a obtenção da “cura funcional” – ou até mesmo “cura absoluta”. Destacou que existem novos agentes e fármacos sendo descobertos, como inibidores que interferem com o RNA viral e imunomoduladores. Por fim, salientou que o uso de terapias combinadas é de extrema importância para melhorar os resultados do tratamento.
Na sequência, o Professor Henrique Sergio Coelho (UFRJ) abordou “Hepatite C”, apresentando um histórico da doença, antes conhecida como “Hepatite não A não B”. Segundo o Professor, a descoberta do vírus da hepatite C e sua rápida incorporação à prática clínica configuram um marco do avanço médico do século XX. Sobre as populações consideradas “de risco” para a infecção pelo vírus C, destacou os usuários de drogas intravenosas e que fazem uso da inalação nasal de cocaína, a população em situação de encarceramento, pacientes com insuficiência renal crônica em diálise, dentre outros.
Acerca do tratamento, concluiu que aquele iniciado já em 1991 com base no uso do Interferon persistiu durante mais de 20 anos. Devido aos inúmeros efeitos adversos, em 1998, foram feitas tentativas com Ribavirina, com resultados considerados insatisfatórios. Todavia, apenas a partir de 2014 o tratamento evoluiu para o uso de agentes antivirais diretos com elevadíssima taxa de cura em curto tempo de tratamento e sem efeitos colaterais.
No fechamento do Simpósio, o Acadêmico Silvano Raia apresentou conferência sobre “Transplante Hepático”. O cirurgião, que é responsável pela realização do primeiro transplante hepático no Brasil, apresentou um histórico dos procedimentos, destacando que estes eram erráticos até a década de 1950, causando muitas vezes um quadro de hemorragia incoercível. Mesmo com a evolução das técnicas cirúrgicas e os resultados extremamente positivos, chamou atenção para o fato de que a falta de doadores se coloca hoje como o principal desafio para o transplante hepático. Apesar de uma quantidade considerável de doadores em potencial, a taxa de recusa familiar pode chegar a 50% em algumas regiões do país.
Para tentar solucionar este problema e oferecer alternativas terapêuticas para os pacientes, o Acadêmico apresentou procedimentos como a recuperação de órgãos marginais, a revascularização de scafolds e o chamado xenotransplante – é a transplantação de células, tecidos ou órgãos a partir de uma espécie para outra.