A Academia Nacional de Medicina recebeu representantes do Governo, do Poder Judiciário, da Comunidade Médica e Sociedade Civil, a fim de que fosse debatida a chamada Judicialização da Medicina, que diz respeito ao aumento exponencial do número de ações tramitadas na Justiça brasileira associadas ao tema da saúde. O Simpósio, organizado pelos Acadêmicos Francisco Sampaio e Rubens Belfort e pelo Benemérito Pedro Grossi, marcou a última Sessão da ANM antes do recesso Olímpico.
Dr. Reinaldo Guimarães apresentou palestra sobre “As Múltiplas Facetas da Judicialização”. Classificou a judicialização como um fenômeno complexo e que não é exclusivamente brasileiro. Foram apresentadas as diferentes “modalidades” de demandas, de acordo com o status dos medicamentos, além de análise da Lei nº. 12.401, que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do SUS.
Em estudo apresentado, o Dr. Reinaldo Guimarães apresentou uma revisão sistemática do fenômeno, ressaltando que: a prescrição médica é o critério mais comum para informar as ações; as ações privadas/individuais são amplamente majoritárias em relação às públicas/coletivas e um número importante de ações poderia ser evitada se alternativas terapêuticas contempladas nas listas do SUS fossem levadas em conta pelos prescritores.
Apresentando “A Visão do Ministério da Saúde”, a Dra. Maria Inez Gadelha argumentou que a grande parte das ações desconsidera princípios e diretrizes estruturantes do SUS, como a descentralização e a integralidade. As informações apresentadas são dadas ou interpretadas por leigos, além de desconsiderar opções terapêuticas cientificamente consolidadas e menos onerosas para o sistema de saúde. Repudiou também a responsabilização pelo pagamento de medicamentos ou métodos terapêuticos não regulamentados no Brasil, muitas vezes colocando a vida do paciente em risco.
Ao final de sua apresentação, a Dra. Maria Inez Gadelha ressaltou que a incorporação acrítica de tecnologias possui sérias consequências para o paciente e que a judicialização, de uma forma geral, gera enfraquecimento do peso técnico-científico e um aumento da incerteza, insegurança e dos custos dos procedimentos e tratamentos, caracterizando um contrassenso.
Falando a respeito da “Visão da Indústria Farmacêutica”, o Dr. Antônio Britto apontou que a judicialização da medicina desorganiza o planejamento da indústria farmacêutica, favorecendo aos que melhor demandam em detrimento aos que realmente necessitam e geração de oportunidades para ações antiéticas e prejudiciais ao sistema. Foi apresentado apelo do Ministro da Saúde, que convoca todas as especialidades a rever os protocolos e incorporar novas tecnologias, sem que isso represente necessariamente aumento de custos para a saúde brasileira.
O Dr. Antônio Britto apresentou levantamento sobre a situação da judicialização no Brasil, que levou a indústria a se posicionar contra a judicialização, pois entende que esse fato é consequência de falhas e lacunas do sistema de saúde. Apesar de entender que existe legitimidade em algumas situações, são necessários dispositivos para punir as empresas associadas que incentivarem – direta ou indiretamente – a prática dessa ação.
Apresentando “Os Efeitos no Sistema Público e Privado”, o Dr. Giovanni Cerri ressaltou que a maior parte das ações está relacionada a hospitais e instituições privadas. Dessa forma, entende que o Judiciário se assemelha a “um Robin Hood às avessas”, onde o sistema privado acaba por absorver uma grande parcela de recursos públicos para o ajuizamento destas ações. Frisou que é necessária uma ação mais efetiva por parte dos conselhos regionais de medicina para fiscalizar as prescrições, combatendo o corporativismo.
Propondo alternativas para reduzir a judicialização e garantir uma assistência à saúde justa aos brasileiros, o Dr. Giovanni Cerri propôs a ampliação de Varas Especializadas em Saúde; a criação de Câmaras Técnicas de Conciliação; a ampliação de Núcleos de Apoio Técnico e o fortalecimento do papel da ANVISA e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias.
Abordando “Os Efeitos na Relação Médico-Paciente”, o Acadêmico José de Jesus Camargo afirmou que atualmente 28 mil médicos brasileiros estão sendo processados, ressaltando os efeitos morais advindos deste fato. O aumento de denúncias de erro médico possui como pano de fundo o atendimento despersonalizado, a descontinuidade dos atendimentos e perda da qualificação profissional, devido à proliferação de Faculdades de Medicina e do fato de as Emergências não possuírem condições técnicas elementares.
Após apresentar os efeitos da judicialização na relação médico-paciente no caso dos Estados Unidos, o Acadêmico Camargo encerrou sua palestra afirmando que a situação do médico brasileiro atualmente gira em torno de três pontos: a controvérsia do seguro profissional, a insegurança dos médicos e o questionamento de se medicina se tornou uma profissão de risco, devido ao grande número de processos.
Abordando “Os Efeitos no Sistema Privado”, foi convidado João Otávio de Noronha, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em junho de 2016, foi aprovado como Corregedor Nacional de Justiça. Segundo o Ministro, um dos principais problemas é que o problema não é encarado como um problema administrativo, e sim como um problema de financiamento. Nesse sentido, a judicialização estaria ao final de um processo que decorre da má gestão dos recursos.
Ao final de sua apresentação, o Ministro ressaltou que é necessário que os funcionários do Poder Judiciário estejam em constante atualização – não podem ser “homens de gabinete”. Como exemplo de ações que contemplem essa proposta, ressaltou o trabalho da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, que permite a uniformização do conteúdo a ser repassado aos magistrados em formação e da atualização daqueles em exercício.
O Dr. David Uip apresentou a “Situação Atual e Perspectivas” no estado de São Paulo, apresentando alguns desafios do SUS, como: o subfinanciamento, a má gestão, o desperdício, e a judicialização, que torna a saúde um setor “inadministrável”. Além deste fato, afirmou que o arsenal terapêutico do SUS não é de conhecimento de grande parte dos prescritores e dos usuários. Dessa forma, são desconsideradas as alternativas terapêuticas disponíveis no SUS.
Na conclusão de sua palestra o Dr. David Uip abordou o caso da fosfoetanolamina, sintetizada pela primeira vez em um laboratório em São Carlos e que não possuía registro na ANVISA. O Professor Uip relembro que, uma vez aprovada pelo Congresso a lei que liberava o uso da substância, inúmeras liminares judiciais foram aprovadas no país.