Em mais uma edição, Uma Tarde na Academia: Oficina Diagnóstica foi dedicada à Nefrologia

21/07/2016

A iniciativa Uma Tarde na Academia de Oficina Diagnóstica, em edição realizada no dia 21 de julho de 2016, contou com a presença dos organizadores Acadêmicos Carlos Basílio de Oliveira e José Manoel Jansen, do coordenador, Acad. Omar da Rosa Santos, e dos convidados: o apresentador Dr. André Gouvêa e o debatedor, Dr. Arthur Cortez, ambos participantes do Programa Jovens Lideranças Médicas da ANM.

O evento foi aberto pelo Presidente Francisco Sampaio, que em seguida passou a palavra para o Acad. José Manoel Jansen, fazendo a primeira apresentação do caso. Em se tratando de um caso ocorrido há mais de 33, o caso, trazido pelo Acad. Omar da Rosa Santos, tornou possível observar a evolução da Nefrologia, tendo em vista que o próprio diagnóstico mudou ao longo dos anos.

O Presidente Francisco Sampaio (ao centro) abre os trabalhos de mais uma Tarde na Academia, com os Acads. (à esquerda) Carlos Alberto Basílio, Omar da Rosa Santos e (à direita) José Manoel Jansen e José Galvão

O Dr. André Gouvêa, Médico do Hospital Universitário Gaffré Guinle, fez apresentação do caso clínico. Tratava-se de um caso de um homem de 30 anos, branco, natural e domiciliado no Rio de Janeiro, de boa condição socioeconômica e condições higiênicas de boa qualidade. Recebeu vacinas adequadamente ao longo da década de 1950 e negava uso de drogas ilícitas, uso continuado de medicamentos e antecedentes infecciosos. Praticou esportes até os 22 anos.

Admitido em julho de 1983 – com dois episódios anteriores de urina sanguinolenta (considerada então glomerulonefrite difuso-aguda). Fora também constatada hipertensão há um ano e possuía alta na pressão arterial. O paciente vinha apresentando fadiga há três meses; urina espumosa e com volume reduzido; edema progressivo (raio-X do tórax com derrame pleural nas bases). Também foi documentado episódio de urina tipo “Coca-Cola”, com exame de urina anormal ocorrido um mês antes. Constatou-se aumento peso corporal considerável (de 69 para 82 kg) nos últimos meses; quadro de cefaleia com escotomas ocasionais e episódios de artralgias nos quirodáctilos.

O Dr. André Gouvêa faz a apresentação clínica do caso

Dos exames apresentados, é possível destacar que o paciente apresentava:

– Palidez;

– Lucidez. Apresentava-se também cooperativo e orientado;

– Ausência de febre;

– Pele sem alterações, exceto por edemas;

– Pulsos universalmente presentes, com pressão arterial de 180×115 (hipertensão);

– Pescoço e fâneros normais;

– Tórax de conformação normal com abolição do murmúrio vesicular nas bases (raio-X confirmou derrame pleural);

– Abdome distendido com sinais de ascite; fígado a 2 cm do rebordo costal direito, indolor. Baço nos limites normais à percussão;

– Exame das cavidades orais normal;

– Exame neurológico sem alterações;

– Ausência de linfonodos palpáveis;

– Percussão lombar indolor; edema pré-sacro;

– Diurese das 24h iniciais 620ml com urina clara, turva e espumosa;

– Anêmico, com hematócrito a 29%, VSH48mm na 1º hora, leucometria normal;

– Glicose, ureia e creatinina plasmáticas, respectivamente, de 82, 67 e 2,5mg % (20 dias antes);

– Colesterol 290 e 345 mg% (exame há 3 meses e 20 dias); triglicerídeos 310 e 380 mg % (idem); bilirrubinas, eletrólitos, TGO, TGP e Gama GT normais (20 dias antes);

– Plaquetas 90000mm3;

– Proteínas totais 4,8 e 4g%, com albumina 2,2 e 1,7 g% (exame há 3 meses e 20 dias);

– T3, T4 e TSH normais;

– Proteinúria de 5,4 e 7,0g/24h (exame há 3 meses e 20 dias);

– EAS indicando franca hematúria microscopia, leucocitúria e cilindrúria.

Na evolução do caso, foram reduzidas as doses dos medicamentos de tratamento da hipertensão. Foi iniciado tratamento com predinisona com doses decrescentes ao longo do tempo e associada ao dipiridamol. O Prof. André Gouvêa chamou atenção para o fato de que, à época, acreditava-se em uma associação do nível plaquetário com a gênese das doenças. Além disso, foi observada uma redução de peso (de 82 para 72kg).

Apesar de uma melhora aparente nos primeiros seis meses, no 22º mês observou-se o retorno de um quadro de glomerulonefrite.

O paciente teve, então, uma mudança de domicílio (mudou-se para Buenos Aires) em maio de 1985. Após esse fato, foi noticiada a ocorrência de Trombose Venosa profunda (MIE) 1986; degradação da função Renal com HD regular em 1989 TR em 1991 (doador relacionado) – Rejeição do TR em 1993 – Retorno à HD.

O Dr. Arthur Cortez, Professor de Clínica Médica e Nutrologia da UniRio, debatedor do caso, iniciou sua palestra propondo um roteiro para a realização de diagnóstico diferencial para doenças glomerulares. Segundo o Professor, “quando não encontramos uma resposta satisfatória para uma questão difícil, nós tentamos perguntas um pouco mais fáceis”.

Dr. Arthur Cortez debate o caso

A partir dessa afirmativa, o Professor apresentou as características das doenças glomerulares, foram apresentados os sintomas mais comuns (identificados também no paciente em questão): edema, hematúria, cilindros hemáticos, hemácias dismórficas, lipidúria e proteinúria. Todavia, foi ressaltado que doenças tubulointersticiais podem levar a perda proteica indiretamente pela esclerose secundária de néfrons.

Em seguida, o Dr. Arthur Cortez buscou “desvendar” o padrão clínico-urinário do paciente, ressaltando que na maior parte dos casos o início das síndromes nefróticas é brando. Além disto, todas as causas de síndrome nefrótica podem apresentar proteinúria subnefrótica, indicando que as síndromes nefríticas e nefróticas possuem “pontos de interseção”, o que acaba dificultando um diagnóstico diferencial. Embora seja raro, afirmou que alguns pacientes têm mais de uma causa da doença glomerular. Pelo menos dois mecanismos podem estar envolvidos: a possibilidade de ocorrência duas doenças renais independentes; ou uma única doença, podem desencadear uma resposta imunitária que imita a apresentação de uma outra doença.

O diagnóstico final apresentado pelo Dr. Arthur Cortez foi baseado em informações encontradas no artigo do The New England Journal of Medicine, intitulado “Membranoproliferative Glomerulonephritis — A New Look at an Old Entity”. O Professor também discorreu sobre os métodos utilizados para a obtenção de diagnósticos, preconizando que o processo seletivo que visa simplificar raciocínios complexos sobre os diagnósticos (que preenchem os requisitos estabelecidos pela história clínica e exame físico) é conhecido como atalho heurístico. Os atalhos heurísticos dependem do conhecimento profundo da epidemiologia, da história natural das doenças e do conceito que os estereótipos em medicina não são absolutos em suas manifestações. Tendo em mente estas considerações, o diagnóstico diferencial apresentado para este paciente foi de glomerulonefrite pós-infecciosa, chamando atenção para a necessidade de diferenciá-la de doenças como a nefrite lúpica e a glomerulonefrite membrano-proliferativa.

Os Acads. Carlos Alberto Basílio, Omar da Rosa Santos, José Manoel Jansen e José Galvão coordenam os trabalhos da Oficina Diagnóstica

A discussão que se seguiu foi enriquecida pela diversidade do público presente – além de estudantes de medicina e de médicos praticantes de Clínica Médica, também estiveram presentes especialistas de diversas áreas, mantendo o “espírito” da Oficina Diagnóstica, de interação entre os profissionais e estudantes da área da saúde. Por fim, a Tarde na Academia mais uma vez foi encerrada pela análise histopatológica do Acad. Carlos Basílio de Oliveira.

Acadêmicos participam da discussão do caso apresentado

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