O que já conquistamos e o que ainda precisamos avançar em termos de imunoterapia contra o câncer no mundo e no Brasil? Anticorpos monoclonais, vacinas contra o câncer e as Car T- Cells – células produzidas em laboratório derivadas das mais importantes células de defesa do nosso organismo – são os principais tipos de imunoterapia usados hoje para o combate às células tumorais.Este foi o assunto abordado por diversos convidados do último simpósio promovido pela Academia Nacional de Medicina (ANM).
A imunoterapia é um tipo de tratamento contra o câncer que visa combater o avanço da doença pela ativação do próprio sistema imunológico do paciente. A ideia é que, com o uso de medicamentos, o organismo do paciente elimine a doença de forma mais eficiente e com menos toxicidade. O simpósio, realizado no dia 17 de junho, foi aberto pelo presidente da ANM, Rubens Belfort, e coordenado pelo acadêmico Paulo Hoff, e os membros do Programa Jovens Liderança Médica (JLM) da ANM, José Mauricio Mota e Andréia Melo.
Através da história da menina Emily Whitehead, diagnósticada com leucemia linfoblástica aguda refratária aos tratamentos convencionais e o uso das células imuno efetoras, Car-T Cells, para combater o câncer, e que ficou famosa no livro que conta a saga da família, o acadêmico Daniel Tabak falou sobre as células efetoras na imunoterapia. “Hoje, essas células deixaram de ser um tratamento experimental. Existem, atualmente, mais de 470 farmacêuticas trabalhando com essas células. Mais de 400 parcerias foram estabelecidas para comercialização de produto advindos das células e o volume de recursos investidos são gigantescos,” ressaltou Tabak.
É importante revelar que, mesmo com o crescimento do método, o tratamento não consegue ter eficácia para todos os pacientes. Mas quando o sistema imunológico responde, o efeito pode ser significativo e duradouro, em função da memória imunológica que o sistema passa a ter contra o tumor.
O médico João Viola, do Instituto Nacional de Câncer (INCa) foi outro convidado a revisitarquestões e conceitos históricos da imunologia, desde Louis Pasteur, com a vacina antirrábica, até o Prêmio Nobel de 2018, na área da imunoterapia. Para Viola, a terapia é considerada um dos principais avanços já alcançado para o tratamento do câncer.
“O organismo reconhece o que é próprio e rejeita o que não é próprio. A vigilância imunológica no nosso corpo está em constante alerta, mas é importante ressaltar que a imunoterapia não é preconizada como terapia única, ela vem para combinar com outras terapêuticas”, enfatiza Viola.
O médico Benedito Carneiro, da Brown University, em sua palestra ressaltou questões relativas ao sistema imunológico dos pacientes e o papel de alguns alvos que irão remodelar o tratamento antitumoral no futuro. Carneiro focou, inicialmente, nas citocinas que têm um função central na interação entre a célula tumoral e o sistema imune. Segundo ele, “o futuro da imunoterapia será descobrir novos alvos, manipular e remodelar o microambiente tumoral quer seja com alvos novos ou já bem estabelecidos.”
Custo, acesso e efetividade – A live da ANM também contou com a participação doex-ministro de Estado da Saúde, o oncologista Nelson Teich, que em sua palestra enfatizou que, na saúde, a inovação não simplifica os procedimentos. Se você sair de uma cirurgia minimamente invasiva e for para uma cirurgia robótica, a cirurgia não será mais fácil. A saúde, muitas vezes, faz com que a incorporação tecnológica necessite de profissionais especializados.
Teich ainda destacou os investimentos brasileiros para acesso dos pacientes: “Temos que ter em mente o modelo econômico. Em 2020, tínhamos para gastar R$ 2.200,00 reais, aproximadamente, por pessoa, ao ano. Os Estados Unidos são o país que mais incorporam tecnologia. Lá, são R$ 63 mil reais por pessoa, ao ano. No Reino Unido, são investidos algo em torno R$ 21mil reais. O que eu quero dizer com isso é: se nós dobrarmos os recursos financeiros do SUS ainda será pouco. Ainda ficaremos muito distante dos países que investem em tecnologia.”
Outro aspecto relacionado ao acesso é o exemplo do melanoma. No Brasil, a incidência de melanoma metastático é em torno de 43%, mas a incorporação de novas tecnologias não está totalmente disponível na rede pública.
“No tratamento convencional, a sobrevida do paciente com melanoma metastático pode ser cerca de nove semanas, enquanto com imunoterapia essa sobrevida é acima de 72 semanas. Vejo duas realidades: uma no SUS e outra no sistema privado, no qual pacientes têm acesso a plano de saúde”, declarou a médica Andréia Cristina de Melo, do Programa Jovens Lideranças Médicas (JLM) da ANM e do INCa.
O médico José Mauricio Mota, do programa JLM da ANM, também falou sobre a questão da terapia não ser para todos. Mota ressaltou o avanço significativo para pacientes com tumores geniturinários. É preciso cautela na indicação de tratamento em virtude das toxidades. A descoberta de biomarcadores confiáveis será essencial para rapidez do tratamento, com intuito de melhor selecionar os pacientes que responderão ao tratamento, ampliar benefícios e reduzir riscos.
– O câncer de próstata é o tumor maligno mais comum em homens. Cerca de 66 mil novos casos por ano, mas segundo estudos científicos apenas cerca de 12% desses pacientes têm acesso a imunoterapia. É uma caminhada longa e com muito conhecimento a ser adquirido ainda”, afirmou Mota.
Daniel Vilarim Araújo, também do programa JLM da ANM, reforçou a mensagem do longo caminho a seguir. Tendo em vista o custo elevado e o fato do tratamento não ser eficaz para todos os pacientes oncológicos. Pesquisas tentam definir quais seriam os melhores critérios para identificar aqueles mais propensos a terem boas respostas com essa modalidade de tratamento. “Estamos na ponta do iceberg, pois apenas cerca de 10% dos pacientes oncológicos têm acesso a imunoterapia,” revelou Araújo.
“O sistema imunológico foi evoluindo para poder lidar com as agressões do ambiente. Trata-se da imunidade adquirida, mas o estado da imunoterapia é complexo e largamente incompreendido, estamos apenas no começo”, enfatizou o debatedor do simpósio, o acadêmico Gilberto Schwartsmann. O evento ainda contou com os acadêmicos Omar Lupi e Mônica Gadelha e o membro do JLM, Marcelo Araújo Queiroz.
A mensagem que o simpósio deixa é que imunoterapia é considerada um grande passo para o tratamento contra o câncer, mas ainda há uma longa trilha a se vencida, visando redução de custos, o acesso a grande parcela da sociedade e o fato de não ser eficaz para todos os pacientes. Assista a íntegra do evento no Canal Youtube da ANM.