Academia Nacional de Medicina debate inovações no tratamento do câncer com origem no Brasil

12/10/2015

Na quinta-feira, dia 08 de outubro, a Academia Nacional de Medicina realizou um Simpósio sobre “Inovações em Oncologia vindas do Brasil”. A coordenação do evento foi do Acadêmico Gilberto Schwartsmann, Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital de Clínicas e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Inicialmente o coordenador teceu considerações quanto às limitações atuais no desenvolvimento de novos produtos oncológicos, com base em patentes genuinamente brasileiras. Há dificuldades estruturais importantes no país para que se possa realizar a totalidade das etapas necessárias à criação de novos produtos. Persiste ainda uma cultura resistente ao uso do chamado “capital de risco” em projetos nacionais na área farmacêutica.

Nota-se em nossos indicadores uma desproporção importante entre produção acadêmica e criação de patentes de origem nacional no campo da saúde, sobretudo quanto a novos medicamentos. As últimas décadas de produção de medicamentos genéricos por empresas nacionais trouxeram uma capitalização significativa em várias destas empresas, sem que isto tenha sido acompanhado por investimentos em pesquisa e desenvolvimento na mesma proporção. Isto contrasta com a indústria farmacêutica da Índia, por exemplo, que sofreu processo semelhante, mas foi capaz de canalizar investimentos em inovação na indústria nacional, com claro reflexo em sua maior participação em patentes no setor de nanotecnologia e de saúde.

Acadêmico Gilberto Schwartsmann

O Acadêmico Gilberto Schwartsmann apresentou dados sobre um novo teste desenvolvido por seu grupo no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o qual pode identificar indivíduos com risco aumentado de toxicidade por “5-fluorouracil”, um quimioterápico muito utilizado no tratamento de pacientes com câncer. Este agente é inativado em sua maior parte (80%) por uma enzima denominada dihidropirimidina desidrogenase (DPD). Pacientes com deficiência severa de DPD podem ter toxicidade fatal após a administração de 5-fluorouracil. Isto ocorre em 0.5 a 3% dos casos.

Vários testes para identificação de indivíduos com deficiência de DPD foram desenvolvidos até o presente, mas nenhum deles teve aceitação entre os oncologistas. Os testes de genotipagem, por exemplo, identificam apenas uma minoria dos casos. O teste desenvolvido em Porto Alegre é realizado em saliva e é de fácil execução. Consiste na coleta de material em algodão e transferência para papel, o que permite o seu envio por correio. Dados iniciais em pacientes revelam que 86% dos casos de deficiência severa de DPD são detectados pelo método. O teste está patenteado e poderá entrar em uso comercial em pouco tempo.

Para ilustrar algumas iniciativas no Brasil, focadas em inovação na saúde, foram tomados alguns exemplos de projetos desenvolvidos em instituições acadêmicas do Sul do país.

Dra. Daniela Cornelio

A Dra. Daniela Cornelio apresentou um programa de rastreamento para o câncer de colo uterino, que teve como base estudos originais realizados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Estudando a expressão de receptores para o fator de liberação da gastrina em amostras de tecido de colo uterino normal e neoplásico, foi possível desenvolver um teste que parece promissor na identificação de lesões precursoras desta neoplasia, tão importante em nosso país. Estes achados levaram a pesquisadora a desenvolver um sistema inovador para a coleta de amostras, o qual será desenvolvido comercialmente pela empresa Ziel, criada pelos pesquisadores da UFRGS.

Dr. Gustavo Werutsky

O Dr. Gustavo Werutsky discutiu projetos desenvolvidos pelo LACOG, um grupo composto por pesquisadores de vários países da América Latina, com ênfase em estudos clínicos com novas drogas anticâncer.O LACOG tem se dedicado também ao estudo de perfis moleculares de valor prognóstico ou preditivo de resposta ao tratamento em pacientes com câncer, em iniciativa liderada por pesquisadores da PUC-RS.

Dr. Gustavo Werutsky, Acadêmico Aderbal Sabrá e Dra. Daniela Cornelio

O Presidente Acadêmico Francisco Sampaio encerrou o Simpósio declarando estar impressionado e em júbilo por verificar a competência dos pesquisadores, que têm determinado grande avanço ao tratamento oncológico, a partir de pesquisa e aplicação de descobertas genuinamente brasileiras. Afirmou ainda que esta é a comprovação de que um país só se torna realmente desenvolvido a partir de investimentos substanciais em educação e pesquisa.

Mesa Diretora: Acadêmicos Antonio Nardi, Francisco Sampaio, Claudio Cardoso e Gilberto Schwartsmann

Na Sessão Ordinária da Academia Nacional de Medicina, realizada na sequência do Simpósio, o Acadêmico Gilberto Schwartsmann proferiu a Conferência “Desafios no desenvolvimento de novos tratamentos anticâncer no Brasil”, apresentando o projeto sobre o potencial anticâncer que a modulação dos receptores do fator de liberação da gastrina (GRP) poderia representar, tanto para o tratamento, quanto para utilização na etapa de diagnóstico.

As pesquisas preliminares mostraram que a presença destes receptores em grande quantidade leva ao crescimento dos tumores e, assim, o objetivo da iniciativa foi o desenvolvimento de uma droga para bloqueá-los. O palestrante destacou que a análise foi feita não apenas em casos de câncer importantes em países desenvolvidos, mas também naqueles de relevância no mundo de baixa renda, como de colo de útero, melanoma, pulmão, carcinoma hepatocelular, próstata e sistema nervoso central.

Os estudos clínicos em humanos, destacados pela revista Nature, provaram que a droga, a primeira anticâncer testada no Brasil, era segura. O Acadêmico Gilberto Schwartsmann salientou que os resultados, no entanto, foram além e a molécula estudada como anticâncer levou, também, a outras possibilidades médicas. A partir de relatos de uma paciente, foram reconhecidos benefícios anti-inflamatórios relevantes em casos de doenças reumatóides e de outras inflamações, com um consequente depósito de patente neste campo.

A identificação de uma grande concentração de receptores do fator de liberação da gastrina em regiões do sistema nervoso central, como na amígdala e no hipocampo (responsáveis pela memória emocional), fez com que o conferencista e sua equipe se perguntassem se a inibição destes receptores poderia imitar alguma doença psiquiátrica, afetando a retenção de memória afetiva. E a resposta foi sim: testes em animais mostraram comportamentos de indivíduos com isolamento social. Lembrando as descobertas como emocionantes, o palestrante explicou que os resultados dos primeiros estudos de caso foram positivos e desencadearam uma nova patente com a aplicação do GRP como tratamento do espectro autista, de estereotipias e de outras doenças relacionadas, tendo, em uma nova etapa de testes, 35 % dos pacientes apresentando melhora, um índice considerado alto.

Por fim, o Acadêmico Gilberto Schwartsmann elencou os próximos desafios do projeto: o desenvolvimento de uma nova formulação da droga para uso crônico, a confirmação da relevância do GRP como alvo molecular nestas doenças e a realização de estudos mais enriquecidos.

Acadêmico Paulo Buss
Acadêmicos Claudio Cardoso e Gilberto Schwartsmann

Ao final da Sessão, o debate, coordenado pelo Presidente da ANM Acadêmico Francisco Sampaio, destacou a importância da conectividade entre as mais diversas áreas da Medicina, tendo em vista o início de um estudo na área da oncologia que vem tendo resultados, também, nos campos das doenças reumatóides e da psiquiatria.

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