Acadêmico Carlos Alberto Mandarim-de-Lacerda
Laboratório de Morfometria, Metabolismo e Doenças Cardiovasculares (www.lmmc.uerj.br). Centro Biomédico, Instituto de Biologia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
IMPORTÂNCIA DA ALIMENTAÇÃO DA MÃE
A programação fetal depende do estado nutricional da mãe durante a gravidez e o aleitamento, que pode causar adaptações de desenvolvimento e mudança permanente na fisiologia e metabolismo dos filhos [1]. A programação fetal está associada a mudanças epigenéticas no início da vida (metilação da citosina do DNA, modificações pós-traducionais de histonas e micro-RNAs), sem alterações na sequência de DNA [2, 3].
Existe uma associação entre nutrição dos pais e saúde dos filhos [4, 5]. David Barker introduziu o conceito de que a desnutrição materna pode influenciar permanentemente o metabolismo dos filhos e predispor a doenças cardiovasculares e metabólicas [6]. Além disso, a obesidade materna aumenta o risco de desenvolver complicações de saúde graves nos filhos [7].
O conceito ‘Developmental Origins of Health and Disease’ (DOHaD na sigla em inglês, ou ‘Origens do Desenvolvimento da Saúde e Doenças’) nos ajuda a entender melhor a situação atual. Evidências epidemiológicas e experimentais indicam uma conexão entre o ambiente da primeira infância e a saúde metabólica na idade adulta [8]. A hipótese do ‘fenótipo econômico’ proposta no início dos anos 90 foi essencial para o conceito de DOHaD ao chamar a atenção da comunidade científica para a ligação entre o crescimento fetal e infantil e o comprometimento da tolerância à glicose na vida adulta [6]. O ambiente nutricional adverso no início da vida cria uma situação em que o organismo metabolicamente programado para lidar com a baixa disponibilidade de alimentos não consegue se adaptar ao ambiente rico em energia. Contrariamente, a supernutrição precoce está ligada ao aumento da adipogênese, modificação do comportamento alimentar e controle do apetite dos filhos [9].
IMPORTÂNCIA DA ALIMENTAÇÃO DO PAI
O espermatozoide não é um componente passivo no desenvolvimento do embrião, e condições paternas antes da concepção podem afetar o desenvolvimento embrionário e o crescimento uterino fetal [7, 10, 11].
A informação epigenética contida no gameta masculino, e transmitida ao zigoto através da cópula, é o que chamamos de “origem paterna da transmissão de saúde e doença” (POHaD, na sigla em inglês), permitindo a programação fetal induzida pelo pai [12]. A transmissão fenotípica está relacionada à epigenética, mecanismo que não altera a sequência estrutural do DNA, mas é transmissível e causa uma mudança reversível na expressão gênica [13].
A origem e a transmissão de doenças do pai para os filhos podem estar relacionadas ao reparo defeituoso de danos do DNA do espermatozoide [14]. A primeira etapa neste processo requer a remodelação da cromatina imperfeita por meio da espermiogênese, resultando em espermatozoides liberados nos túbulos seminíferos em um estado imperfeito com cromatina compactada de modo aberrante. A remodelação da cromatina defeituosa aumenta a suscetibilidade dos espermatozoides às quebras da fita de DNA, mediadas pelo estresse oxidativo, aumentando a morte (apoptose) dos espermatozoides e o dano oxidativo ao DNA. O oócito apresenta uma capacidade limitada de reparar o DNA lesado trazido ao zigoto pelo espermatozoide fertilizante. Portanto, o reparo incompleto ou aberrante do dano do DNA paterno pode gerar mutações que afetarão todas as células do corpo porque precede a fase S na primeira divisão mitótica [15].
A obesidade masculina impacta negativamente a composição e função molecular dos espermatozoides, diminuindo sua motilidade, número, morfologia usual, potencial de capacitar e se ligar a um oócito, aumentando o dano ao DNA e disfunção mitocondrial [16]. A obesidade masculina é multifatorial, com alterações na metilação do DNA e uma série de modificações pós-traducionais que afetam as proteínas associadas à cromatina. Uma vez transferidos para o zigoto, os miRNAs (RNA não codificantes) podem causar alterações epigenéticas embrionárias, alterando assim o desenvolvimento do feto [17].
A conexão entre a saúde paterna e os resultados nos filhos foi descrita como sendo dependente do sexo do filho, inicialmente relatada em estudos epidemiológicos. Novos estudos reforçaram a hipótese de que a obesidade paterna exerce efeitos transgeracionais nos filhos, específicos de cada sexo [10, 18]. Além disso, há associação entre obesidade paterna e disfunção das células beta pancreáticas das filhas [19, 20]. Filhos de ambos os sexos de pais obesos são hiperglicêmicos, intolerantes à glicose, com altos níveis de colesterol total e triacilgliceróis, embora a obesidade nem sempre esteja presente [21].
References
1. Barker DJ. Maternal nutrition, fetal nutrition, and disease in later life. Nutrition 1997;13:807-13
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