Grande aumento do consumo de álcool durante o período de confinamento pelo COVID-19

18/01/2021

Acad. Antonio Egidio Nardi:

Para enfrentarmos a pandemia COVID-19, seus riscos e ameaças, temos tomado medidas de higiene e saúde pública, como lavar as mãos com regularidade, isso de máscaras, álcool 70% para as mãos e isolamento social. As medidas para isolamento social envolvem o distanciamento físico1. A maioria dos países tem adotado diferentes graus de restrições ao isolamento social, desde um confinamento total, com fechamento de comércio, escolas e escritórios, até outros países com um relativo confinamento. Vários fatores começaram a ameaçar a nossa saúde mental, entre eles o distanciamento social de amigos, do trabalho e principalmente de familiares. Somos animais sociais e a nossa saúde social faz parte de nossa saúde total. O cancelamento de encontros com amigos, festas, casamentos e outros momentos de confraternização social trazem riscos de aumento de sintomas de ansiedade e de depressão. Soma-se a tudo isso o fechamento de bares e restaurantes que são locais públicos de confraternização e de consumo de álcool. 

De repente, o álcool que era consumido com amigos e familiares passou a ser consumido com maior frequência em casa. O álcool passou a ser consumido muitas vezes diariamente e sem o controle social espontâneo. Para algumas pessoas todo dia passou a ser final de semana e o álcool um companheiro constante. A procura e o aumento do consumo de álcool em situações estressantes ocorre por seu efeito ansiolítico, calmante, que no início parece relaxar, mas abre um leque de riscos para a saúde física, mental e social. Por exemplo, acidentes, violência doméstica e quadros de transtornos mentais aumentam a demanda de serviços emergenciais já sobrecarregados pela pandemia atual.  

O álcool é uma droga psicoativa associada a aumento do risco de várias doenças somáticas e psíquicas, além de estar frequentemente associado à violência familiar. Segundo a Organização Mundial de Saúde2, o consumo de álcool é uma das principais causas de mortalidade evitável e é o responsável direto por mais de 3 milhões de mortes por ano. Certamente os danos aumentam conforme a quantidade ingerida e não há uma quantidade segura. Além disso, no caso específico de infecções, como pelo COVID-19, o álcool diminui a capacidade imunológica do organismo e coloca os consumidores mais vulneráveis ao vírus durante a atual pandemia.

Entre as várias notícias falsas e absurdas, chegou a circular nas diversas mídias que as bebidas alcoólicas poderiam proteger contra a infecção pelo COVID-19, o que resultou em inúmeras situações médicas de gravidade e óbito3. 

Em relação à saúde mental, o álcool é extremamente prejudicial. Além de poder desencadear ou exacerbar quadros depressivos e de violência; sua presença aumenta enormemente o risco de suicídio. Soma-se a tudo isso, o isolamento social, o medo de doença e os problemas econômicos trazidos pela pandemia. Na quarentena muitas pessoas procuram métodos não saudáveis para lidar com o estresse e a solidão como o álcool e drogas. Em um cenário de isolamento social, com menos interação com colegas e familiares, é muito fácil perder o controle. Este uso vai cobrar um preço sob forma de mais ansiedade (rebote no caso do álcool), ataques de pânico, depressão, risco de suicídio, violência doméstica e outros sintomas psiquiátricos. Mais ainda, o impacto cerebral deste uso abusivo pode perdurar por muito tempo depois do fim da pandemia. É bom lembrar que a alimentação saudável na qualidade e na quantidade, são pontos importantes e não devem ser esquecidos. 

As consequências para as famílias, em especial para os jovens, expostos a um consumo diário, exagerado e aceito socialmente são extremamente danosas. As famílias, principalmente os pais, que aumentaram o consumo de álcool no lar durante o período de confinamento devem lembrar que o exemplo de beber em excesso será aprendido pelo jovem e levado por toda a vida. Da mesma forma, a violência doméstica pode trazer danos mentais irreversíveis para a criança ou o jovem. Vários dados apontam um aumento de queixas de violência doméstica durante a pandemia, e muitas vezes associada ao consumo exagerado de álcool4. 

Alguns estudos demonstram o aumento do consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia do coronavírus em diversos países, incluindo o Brasil. Pesquisa realizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em 33 países e dois territórios entre maio e junho de 2020 demonstrou que 42% dos entrevistados do Brasil relataram aumento do consumo de álcool neste período5.

Mudamos nossas vidas e perspectivas. Temos que cuidar da nossa saúde física e principalmente a mental. Uma crise é sempre um momento de aprendizado e estamos todos aprendendo. Por exemplo, notamos claramente que já estão alterados os conceitos de higiene, a valorização do investimento em ciência, educação e saúde, o respeito aos profissionais de saúde dedicados, maior incentivo ao uso das mídias digitais para trabalho, estudo e contatos sociais e a necessidade de uma organização melhor da sociedade. Toda crise traz a oportunidade de melhorarmos e evitarmos novos problemas. Temos que enfrentar a pandemia, o confinamento e o medo da infecção pelo COVID-19 e todas as suas consequências danosas, como a crise econômica e o aumento do consumo de álcool. Bebidas alcoólicas não são companhia e não são medicamentos para ansiedade e depressão. São gatilhos para inúmeras doenças, principalmente os transtornos metais e a violência doméstica. É primordial que a sociedade, as entidades médicas e a mídia responsável divulguem este alerta e que o uso e comercialização de bebidas alcoólicas seja melhor regulamentado pelo interesse da saúde em seus diferentes aspectos.

Referências

1. Garcia LP, Duarte E. Intervenções não farmacológicas para o enfrentamento à epidemia da COVID-19 no Brasil. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29:e2020222.

2. World Health Organization. Alcohol and COVID: what do you need to know? http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0010/437608/Alcohol-and-COVID-19-what-you-need-to-know.pdf?ua=1 (acessado em 05/Mai/2020).

3. Shokoohi M, Nasiri N, Sharifi H, Baral S, Stranges S. A syndemic of COVID-19 and methanol poisoning in Iran: time for Iran to consider alcohol use as a public health challenge? Alcohol 2020; 87:25-7.

4. GARCIA, Leila Posenato and SANCHEZ, Zila M.. Alcohol consumption during the COVID-19 pandemic: a necessary reflection for confronting the situation. Cad. Saúde Pública [online]. 2020, vol.36, n.10 [cited 2021-01-06], e00124520. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2020001000501&lng=en&nrm=iso>.  5. Ramos R. Especialistas recomendam cuidados com o consumo de bebidas alcóolicas nas comemorações de fim de ano. O Globo. 15 de dezembro de 2020. https://oglobo.globo.com/sociedade/especialistas-recomendam-cuidados-com-consumo-de-bebidas-alcoolicas-nas-comemoracoes-de-fim-de-ano-24796721

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